domingo, 23 de junho de 2013

XIV Encontro Nacional da EPFCL - Belo Horizonte




PRELÚDIO 3




 O desejo entre errâncias e acertâncias

Antonio Quinet

O desejo é a falta que nos move. Sem ele estaríamos em pleno gozo, inertes, estanques, no melhor dos casos – como se fosse possível – no estado contemplativo a que a ética de Aristóteles promete para quem segue à risca a regra do “nem tanto nem tampouco” doorthos logos. E, como um sábio, deitaríamos numa banheira de espuma gozando de visões divinas, ou, na versão religiosa, no êxtase da beatitude em plena comunhão divina com o Outro. E, no pior dos casos, no inferno sado-kantiano do imperativo Goze! A evidência de que o desejo é a expressão da falta estruturante é negada pela covardia ou pela  burrice do neurótico. Ele teima em querer que a falta deixe de faltar. Mas quando isso acontece advém a angústia.
O difícil de suportar da falta não é por ela ser o que nos move, e sim porque dói. Para o neurótico, a falta é um dos nomes do desejo – o desejo que dói - que se declina em insatisfeito, impossível e prevenido. O histérico nunca está satisfeito na praia em que escolheu curtir seu verão. Quem sabe a outra, ali do lado, é melhor? E muda-se para a outra. Mas chega lá e se lembra que ouviu falar de uma mais incrível e vai para lá. Não, aqui não está bom, ainda tem uma outra um pouco mais longe. Mas quando chega lá começa a chover. E volta para casa lamentando como é azarado. O que fiz para merecer isto?  O obsessivo, com seu desejo de derrota, vai rastejando de praia em praia com uma nuvem chovendo em sua cabeça. Viu, eu não falei que não ia dar certo?  O fóbico não sai de casa, pois teme se deparar com  o infinito dos espaços abertos, e fica em casa vendo as praias pela  televisão. Pelo menos aqui, não corro o risco de me afogar!  Todos estes são movidos pela falta na sua vertente de dor. Eis o desejo como errância da dor da falta. O desejo, diz Lacan, é a metonímia da falta.
O desejo, estruturalmente, é articulado no campo da  linguagem a uma de suas leis -  a metonímia – deslizando de palavra em palavra, ao pé da letra, como o “riacho que corre sob os significantes da demanda” (Lacan), a qual é constitutiva da fala do sujeito. É essa estrutura que vai se evidenciando na análise para o sujeito que, ao desfolhar as histórias de suas demandas, seu desejo  se lhe vai delineando como movimento. Desejo claro: articulado sim, e inarticulável também, pois sempre desejo de outra coisa.
Lacan detectou no personagem de Antígona, na peça de Sófocles, um desejo que não é da ordem da falta. Trata-se do desejo decidido, positivado, cuja visada se iguala a seu ato.  É um desejo em ato. Trata-se do desejo, não em sua errância, e sim  em sua acertância. É esse desejo que nos interessa para pensarmos o desejo do analista. O ato de Antígona - que se opunha ao judiciário, mas se baseava em uma ética diferente da moral da Polis grega -  é uma realização do desejo sem Outro. E o coloca em ato, corajosamente, sem estar impedida pelo temor nem pela auto-compaixão.  Desse ato Lacan extrai um preceito ético: Não ceder de seu desejo! Não se trata de uma proposta ao neurótico de que ele não abra mão de sua insatisfação ou de seu derrotismo. Não é o desejo negativado, errante, doloroso e faltante. É de um outro desejo que se trata. É o desejo fundador de uma ética que, para além da falta e da demanda, possa guiar o sujeito em seus atos. É um desejo assertivo, positivamente colocado. Um desejo em ato que, por se situar para além do campo da linguagem, confina com a pulsão de morte e o campo do gozo: com a pulsão de morte, na medida em que esta não é só pulsão de destruição, e sim pulsão de recomeço a partir do nada, de criação ex nihilo; e com o  gozo, por tratar-se  do desejo causado pelo  objeto a mais de gozar.
É o desejo em ato, sustentado por esse objeto, que confere ao personagem de Antígona o brilho do desejo – Hímeros.  Esse termo em grego é extraído da mitologia grega: Hímeros é o desejo sexual, irmão gêmeo de Eros, o deus do amor. Isso nos indica que esse lugar da heroína, criado pelo poeta trágico, é o lugar do objeto que causa nosso desejo, nosso fascínio e nos faz obter o prazer estético de espectador. Antígona, como produto artístico, é ao mesmo tempo aquela que possui o desejo de seguir adiante contra tudo e contra o Outro, e, por outro lado, é aquela que nos co-move. Antígona é, assim, desejante e deesejada. Esse caráter himérico da obra de arte pode nos indicar a posição do analista, por um lado, como desejante,guiado pelo operador lógico chamado por Lacan de “o desejo do analista”, e por outro lado, comodesejável, ocupando o lugar de causa de desejo na transferência para seus analisantes.


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