Na fronteira da psicanálise com a literatura
“A honra da literatura é evidenciar que o homem não é a “fina flor da criação” – essa é a ilusão de seu ser religioso – e sim Sicut palea, isso que Lacan almejava que um analista descobriria ser ao final de sua análise: nada, dejeto, estrume. E dessa condição de “exilado das coisas“, de falta do objeto, seu ser de desejo pode emergir. Isso é o que melhor a literatura nos mostra. Um mundo de desejos incandescentes, como de forma tão linda Vargas Llosa escreve. Então, por que alguém escreve? Cada romancista tem seus motivos. Salman Rushdie, o escritor indiano-mulçumano, autor de Os versos satânicos, alega que escreve para preencher o lugar esvaziado de Deus; Marguerite Duras para construir um exílio, uma pátria do verbo, “uma pátria sem terra, sem nação, a mais sólida do mundo, a mais indestrutível”. (Andréa Brunetto)
“A honra da literatura é evidenciar que o homem não é a “fina flor da criação” – essa é a ilusão de seu ser religioso – e sim Sicut palea, isso que Lacan almejava que um analista descobriria ser ao final de sua análise: nada, dejeto, estrume. E dessa condição de “exilado das coisas“, de falta do objeto, seu ser de desejo pode emergir. Isso é o que melhor a literatura nos mostra. Um mundo de desejos incandescentes, como de forma tão linda Vargas Llosa escreve. Então, por que alguém escreve? Cada romancista tem seus motivos. Salman Rushdie, o escritor indiano-mulçumano, autor de Os versos satânicos, alega que escreve para preencher o lugar esvaziado de Deus; Marguerite Duras para construir um exílio, uma pátria do verbo, “uma pátria sem terra, sem nação, a mais sólida do mundo, a mais indestrutível”. (Andréa Brunetto)
Apaixonada pela psicanálise,
apaixonada pela literatura, Andréa Brunetto transparece essa paixão em todas
as páginas deste livro que, como diz o título, está na fronteira entre uma e
outra. Fiel ao preceito de Lacan de que o psicanalista não deve tentar
encontrar, a partir de sua obra, as neuroses de um autor, ela se vale dos
textos de renomados escritores – como Freud fez com a Gradiva, de Jensen – para
ensinar aquilo que o romancista revela, demonstrando o que ela nos anuncia nas
primeiras páginas: de que a psicanálise pouca importância tem para a
literatura, mas esta tem muito valor para o analista.
Tomando-nos pela mão, Andréa nos faz
companheiros e confidentes da viagem através desse litoral como se estivesse
conversando conosco e tornando-nos cúmplices do seu arrebatamento para mostrar
como, tanto no amor como no exílio, somos todos estrangeiros, “desterrados do
país-infância”, exilados do inconsciente e habitantes dessa outra cena. Por
isso ela pode passear por autores e lugares tão diversos como Imre Kertész,
Elfried Jelinek ou Orhan Pamuk, entre outros, e Auschwitz, Viena ou Istambul,
evidenciando que não só a psicanálise, mas também a literatura não tem pátria
nem fronteiras.
Porém, não nos enganemos com essa
aparente simplicidade. Ela é fruto de uma extensa leitura e grande
familiaridade com todos os escritores citados, tanto de um território quanto
do outro, evidenciando que o gosto pela literatura que herdou do pai – como
nos informa logo nas linhas iniciais – foi inteiramente conquistado por ela
(segundo a recomendação freudiana), pois assumido como um desejo seu e
“anexado” àquele pela psicanálise.
Viajando por tantas terras, este livro
é uma carta-letra que sem dúvida chegará ao seu destino. (Andrea Rodrigues)
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