terça-feira, 2 de dezembro de 2014

XIII Jornada - Programação

 PROGRAMAÇÃO DA XIII JORNADA DO FÓRUM DE PSICANÁLISE DOS FÓRUNS DO CAMPO LACANIANO DE FORTALEZA
 
Dia 05 de Dezembro
 
Espaço Escola (Atividade Aberta)
15:00 – 16:25 - Mesa 1: A escola e seus dispositivos
Coordenação: Francisco Paiva
Sandra Mara, Andrea Rodrigues, Osvaldo Costa, Elynes Barros Lima e Lia Silveira
 
16:25 – 16:35 – Intervalo
 
16:35 – 18:00 - Mesa 2: Cartel A transferência
Coordenação: Lia Silveira
.Transferência: Motor e resistência da análise. (Marcus Eugênio Lima)
.Antes de tudo, “já era” amor. (Gardênia Marques)
.Antes d(A) Transferência. (Sandra Mara Nunes Dourado)
.Cartel Carretel. (Thalita Castelo Branco)
 
18:00 – 18:30 – Coffe Break
18:30-19:00 – Lançamento do livro “O autismo, o sujeito e a psicanálise: consonâncias”
Luis Achilles Rodrigues Furtado e Camilla Araújo Lopes Vieira (orgs.)
 
 
19:30 – 21:00 – Conferência de Abertura
Coordenação: Andrea Rodrigues
Convidada: Zilda Machado  - AME da EPFCL,  FCL-BH
Do Grande Amor ao Grão de Amor
 
 

Dia 6 de Dezembro
8:30 – 10:15 - Mesa 1: Estruturas Clínicas e Divisão subjetiva
Coordenação: Luis Achilles Furtado
.A denúncia e a crença: Alguns apontamentos sobre a feminilidade na histeria e na neurose obsessiva (Ana Ramyres Andrade de Araújo, Camila Araújo Lopes Vieira)
.Implicações do imperativo ser homem na constituição psíquica do sujeitos homossexuais, numa perspectiva do normal e patológico (Erinaldo Gualberto da Silva)
.Da demanda de amor à emergência do desejo no processo de constituição psíquica: pressupostos freudianos (Gabriela Monteiro Simão e Débora Passos de Oliveira)
.O amor-ódio: faces de uma mesma “moeda de troca” na neurose obsessiva? (Ana Ramyres Andrade de Araújo, Luís Achilles Furtado, Filadélfia Carvalho de Sena e Samara Fernandes Paiva do Santos)
 
10:15 – 10:30 – Intervalo
 
10:30 – 12:15 - Mesa 2: Transferência
Coordenação: Ercília Souza
.Demanda(s) de análise: de que se trata? (Sandra Mara)
.Amor de Transferência: Uma relação entre a transferência e a fantasia na clínica psicanalítica (Ítala Tavares Rodrigues Souza)
.Sobre o amor e o desejo de saber na transferência (Hilda Rodrigues)
.O amor: da metáfora à suplência, uma torção (Andrea Rodrigues)
 
12:15 – 14:00 – Intervalo Almoço
 
14: 15 – 16:00 - Mesa 3: Psicanálise e Literatura
Coordenação: Osvaldo Costa Martins
.Adolescência: Entre o sonho e o despertar (Elynes Barros Lima)
.Psicanálise e Literatura: O que o conto “O afogado mais bonito do mundo” pode dizer do analista? (Marcus Eugênio Lima)
.Margueritte Duras e o Fracasso do Amor (Raissa Dantas)
.Amar e Padecer: As tessituras do encontro amoroso (Ercília Souza)
 
16:00 – 16:15 - Intervalo
 
16:15 – 17:30 - Mesa 4: Drogas, Sexos e outras melodias.
Coordenação: Sandra Mara
.LOUCA DIVISÃO: alguma coisa sobre o Brain Damage (Luís Achilles Rodrigues Furtado)
.Drogas, sexos e amuros (Francisco Paiva)
.Os Labirintos da falta (Lia Silveira)
 
17:30 - Encerramento

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

XV Encontro Nacional da EPFCL - Prelúdios 5 e 6


Prelúdio 5 - Amor, sublimação do desejo
Alba Abreu

Não haveria o amor se não houvesse cultura. Lacan afirma que o “amor está feito da idealização do desejo” e “o desejo é coisa mercantil”[18]; isso equivale dizer que, inventado pelo mercado, o que chamamos amor era até então desconhecido pela Antiguidade pagã, para a Idade Média e o Oriente, embora os cruzados tenham tentado implantar essa necessidade amorosa - dita cristã. Sabemos que o amor como conhecemos e difundimos na literatura foi uma criação dos trovadores provençais como já apreciei anteriormente[19]

O desejo intervém no amor e é seu pivô essencial: “no caminho de meu desejo, o Outro quer minha angústia” e, portanto, já que o desejo não diz respeito ao objeto amado, Lacan assegura nesse seminário que “o amor é a sublimação do desejo” no sentido em que colocar-se em posição de desejante é também assentar-se na posição de falta e buscar a completude. Consequentemente, afiança que “o amor (sublimação) é o que permite ao gozo condescender ao desejo” certamente porque se trata de um modo de esconder o que causa o desejo, evitando a angústia.

Dois filmes retratam a tese lacaniana sobre o amor, embora de modos distintos:

AMOR: sobre o casal Anne e George, cúmplices, delicados, desfrutando a vida e o amor mútuo, lentamente o espectador é convidado a descortinar o Thanatos de seu complemento Eros. Anne e George que não se enxergam separados, a partir da estranheza da doença, a angústia assola e o casal se isola do mundo num êxtase de dor e sussurros ainda ditos como que para preservar o espaço do psíquico.

O AMOR É UM CRIME PERFEITO: numa atmosfera fria e futurista encontramos o equilíbrio perfeito entre um cenário espetacular e a estranheza perversa do seu protagonista.  Jogos sedução e dominação que angustiam o espectador, que numa trama bem urdida, apesar de causar um sentimento de ambiente acolhedor aproxima-se gradualmente da bestialidade e da loucura. O filme aborda, sem escrúpulos, temas rejeitados e varridos para baixo do tapete da violência intrafamiliar. A história de amor inesperado que se desenvolve gradualmente entreAmalric e Maïwenn é incrivelmente hipnotizante, porque, como quase toda a história de amor está fadada ao fracasso. 

O que o Outro quer de mim? O desejo do Outro é esse nome que Lacan usa para o excesso econômico – aonde o Unheimlich vem representar o fenômeno da angústia (estranho familiar, diria Freud). Isso que o analista aprende nos livros, nas leituras e nos filmes denota esse lugar de desassossego da posição analítica e por isso mesmo fazemos encontros para cada vez mais nos aproximarmos da condição humana e perceber o sentido de nossa prática.





Prelúdio 6 - A intrusão da diferença

                                                                                                Luis Izcovitch


Será que a psicanálise pode nos dizer algo de novo sobre o amor e o sexo que não seja apenas dar-lhe a forma de um conceito? A reposta é sim, mas é preciso justificá-la.

Há certamente o que a teoria analítica nos ensina sobre o inconsciente e, portanto, sobre as relações do sujeito com o amor e o sexo. Uma tese pode ser depreendida, ela é constante de Freud a Lacan e poderia ser resumida assim: o inconsciente, isso nos impulsiona para o mesmo. Do ponto de vista histórico, houve diferentes formas:  a philia na Grécia, o amor cortês como obstáculo regrado no que tange ao impossível da relação sexual, até mesmo a ideia de Freud do amor sexual como a base da nosso civilização. Lacan chega a forjar uma ética, a do Horsexe , Extrassexo, isto é, quando l’âme âme l’âme, a alma almeja a alma. Em outros termos, amamos no outro o que é semelhante à nossa alma, ou seja, nós mesmos.

O mesmo acontece com o sexo: a foraclusão da diferença sexual no inconsciente impulsiona o sujeito para o encontro do mesmo. Quer ele seja homo ou hetero, não há diferença quanto a isso. Pois é bem possível estar no registro hetero e recusar a alteridade no gozo. Do mesmo modo, como Lacan o formulava, pode-se ser uma mulher e estar “âmoureuse”, almorosa, o que ele escrevia com acento circunflexo sobre o a, para mostrar que ela ama a alma do outro, o que a torna hommosexuelle[20]humanossexual. É o empuxo-ao-homem na histeria, o que significa que ela ama, mas, rejeitando a diferença sexual, ela faz objeção ao ser Outro do homem.

Então, se afirmamos que a psicanálise pode dizer algo de novo, é no sentido em que uma experiência de análise não se limita a constatar a relação do sujeito com o inconsciente, mas visa a uma mudança.  É certo que se opera uma mudança como efeito da radicalização da falta. Se o amor é dar o que não se tem, mais ela o coloca na posição de amar, portanto, na de induzir um novo nó entre o amor e o sexo.

Contudo, mais fundamentalmente ainda, é preciso explorar uma das teses conclusivas do seminário Encore, (Mais, ainda). Lacan se refere ao reconhecimento entre dois seres, portanto, ao modo como dois seres se escolhem: “Esse reconhecimento não é outra cosia senão a maneira pela qual a relação dita sexual – tornada aí relação de sujeito a sujeito, sujeito no que ele é apenas efeito do saber inconsciente – para de não se escrever.”[21] Com efeito, se Lacan se serve do verbo devenir (tornar-se, vir a ser), é para mostrar que entre a constatação da relação sexual como impossível e o que “cessa de não”, ou seja, a contingência, há uma travessia. A travessia não é apenas a constatação, é aquilo que abre para uma relação “do ser com o ser”, ou seja, uma relação que implica a alteridade do outro.

É este o efeito de uma experiência, a de uma análise, única experiência capaz de produzir a passagem do mesmo à diferença. Eis o que há de inédito no fim, inédito no nível dos afetos e que não supõe necessariamente um novo parceiro.

Neste sentido, uma análise é uma experiência cuja mola é o amor, mas com uma finalidade precisa: retirar o sujeito do mesmo. Façamos os votos de que as Jornadas de Campo Grande no Brasil possam contribuir para demonstrar o que pode mudar para um sujeito, quando ele coloca o amor e o sexo no em-jogo da transferência.

Tradução: Vera Pollo

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

XV Encontro Nacional da EPFCL-Brasil - Prelúdios 3 e 4


Prelúdio 3 - Amor trago já
Isloany Machado
Convocada a dizer sobre o amor, travei. Sim, escrevo. Mas sobre o amor? Não! Entretanto, não havia escapatória. Tinha que dizer, como psicanalista, do amor. Os dias foram se arrastando e as palavras fugiam. E de lá do fundo do meu falasser brotavam chavões: “O amor é fogo que arde sem se ver”. O que é o amor, o que é o amor? “É só o amor, é só o amor”. Às voltas com a convocação, espremia, espremia, e nada.
Tenho o costume de andar olhando para as coisas do chão. Até algum tempo atrás achava um jeito feio de andar, mas depois de Manoel de Barros[10], que dá tanto valor para as coisas desimportantes – coisas de formigas, de pedras, de rãs – achei que não tinha problema esse meu olho torto. É no chão que acho as coisas mais fundamentais. E eis que um dia, chutando pedrinhas no centro de Campo Grande, encontrei um bilhetinho roto que dizia: “AMOR TRAGO JÁ”. Passei reto. Fiquei com vergonha de apanhar do chão algo que estava tão pisoteado. As palavras ficaram mordendo meu calcanhar, então na volta peguei, com um meio sorriso pra disfarçar o constrangimento. Tentei não fazer de forma furtiva para que as pessoas não pensassem que encontrara algo de valor. Era só um papel muito roto e pisoteado. Corri para o consultório a fim de ler o que dizia. Transcrevo:

AMOR TRAGO JÁ
**ATENÇÃO** Não Sofra mais...Chega de sofrer e venha ser feliz...Eu posso e trago o seuGRANDE AMOR de volta GAMADO, AMARRADO E ACORRENTADO para sempre, em apenas 7 dias com garantia e rapidez, não importa a distância que for, esteja ELE ou ELA aonde estiver. Tenha quem você AMA aos seus pés para sempre. NÃO SOFRA MAIS! Há solução p/ todos os seus problemas e outros mais. Faço e desfaço qualquer tipo de trabalho Espiritual!!
EU GARANTO O QUE EU FAÇO!!!
TRABALHOS RÁPIDOS E GARANTIDOS
Sigilo Absoluto”

Reli umas duas vezes e fiquei sem entender por que as pessoas haviam pisoteado aquele papel, sem lhe dar importância. Fiquei comovida com aquelas palavras. Talvez não com as palavras em si, pelo que dizem, mas porque o amor estava misturado a todas as coisas desimportantes do chão. Quem teria deixado cair o papel? Algum desacreditado do amor? Ou talvez alguém que nunca o tenha conhecido. Reli o papel. Havia ali uma promessa de trazer o amor, o GRANDE AMOR de volta. Mais que uma promessa, havia uma garantia. Me senti descrente, uma mulher de pouca fé: Ora, o amor nada mais é do que amar ser amado, é demandar amor.
Olhei para o divã ao lado e fiquei lembrando dos ditos amorosos e desamorosos – principalmente estes – que ouvira naquele mesmo dia, permeados pelo silêncio das minhas intervenções. Não havia palavra que pudesse dar garantias de trazer o amor no laço, AMARRADO, GAMADO, ACORRENTADO. Encafifada com a promessa do bilhete, pensei: por que não? Por que o amor não se deixa amarrar, acorrentar, para sempre? Depois de alguns minutos a sentir o gosto dessas duas palavras, percebi que o amor não se pode acorrentar porque está como elo da corrente; não se deixa amarrar, porque faz laço; não se permite enodar[11], porque o amor é o que faz nó.
Antes de uma grande declaração de amor, há um nó na língua. Mas quando se perde um amor, resta um nó na garganta. Às vezes este tipo de nó é tão apertado que a vida se vai. Lenine[12] diz: “às vezes parece até que a gente deu um nó”, mas só parece, pois “hoje eu quero sair só”, conta o restante da letra (1+1=1). O amor dá nó no ser: “levei um nó”. Mas o nó que o amor dá não é cego, caso contrário o bilhete roto teria que dizer: “Eu posso e trago o seu GRANDE AMOR de volta GAMADO, AMARRADO E ACORRENTADO para sempre, pois trabalho com um nó cego”. Ora, os termos precisam ser ditos claramente.
Acontece que há outro nó. O nó borromeano, que Lacan utiliza em sua teoria para falar, dentre outras coisas, de algo da ordem do impossível, de que não há completude. Nenhum nó é cego, “desenodável”.  Foi aí que minha ficha caiu e pude entender minha descrença. Esse nó tem três elos iguais em termos de consistência, pois desfeito um, qualquer um, o nó se desfaz. Misturei Lacan com a cigana do bilhete, minha cabeça deu nó. Mas entendi que o silêncio dos meus ditos diante do desamor que ouço todos os dias na clínica, tem a ver com a face real desse nó, com o impossível da relação sexual. Então, pelo lado avesso, pensei: se o amor é narcísico, pois não foge das identificações e dos espelhamentos, é, portanto, imaginário. Mas se o amor faz laço, enlaça o sujeito com seu desejo, é simbólico.
Neste momento, deixei cair o bilhete e pensei: “Dona cigana, sua desatadora de nós, não acorrente o amor, deixe-o livre para fazer nós”. Reli pela última vez o bilhete e reformulei seu dito:
AMOR TRAGO NÃO
**ATENÇÃO**   Pode sofrer por amor...Continue a sofrer, pois amar não é o mesmo que ser feliz...Eu não posso e não trago o seu GRANDE AMOR de volta GAMADO, AMARRADO E ACORRENTADO para sempre, porque não se faz nó cego no amor, porque não se pode acorrentar o amor, pois ele é a corrente. No amor não há garantias, quanto menos em apenas 7 dias. Não importa a distância que for, esteja ELE ou ELA aonde estiver, o ‘amor é bicho instruído’[13]. Tenha quem você AMA aos seus pés para sempre, no espelho. SOFRA, porque ‘essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca, às vezes sara amanhã’. Não há resposta pronta p/ nenhum de seus problemas e de ninguém mais.
EU NÃO GARANTO NADA!!!
TRABALHOS LONGOS E SEM GARANTIAS
Sigilo Absoluto”
    
Venham atar os nós do amor em Campo Grande nos dias 13, 14, 15 e 16 de novembro! Mas eu não garanto nada!!!



Prelúdio 4 - Ah amor...Há sexos!
Silvia Amoedo

Para tratar o tema “Amor e Sexos”, busco, na subversão da escrita poética de Clarice Lispector, fragmentos do romance Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres. Trata-se de um encontro amoroso entre Lóri e Ulisses.
Lóri busca, na imagem de Ulisses, seus próprios ecos, seu modo de ser, de existir e de amar. Busca encontrar no Outro, outro sexo, sua posição feminina. Faz semblante de mulher, enfeita o corpo para o encontro: põe sobre si mesma alguém outro – pinta demais os olhos, a boca, mascara o rosto com pó –, exatamente o que ela não é, revelando-se e ocultando-se, para ser desejada ao mesmo tempo que amada.
O fato de o ser humano falar implica, desde já, um corpo que clama, corpo submetido à linguagem, e uma inconsequente desnaturalização chamada desejo - uma posição excêntrica: é sempre outro -, o que impede uma aprendizagem. Não há, portanto, caminhos ou determinações que definam o que é ser homem e o que é ser mulher. O que significa dizer que o sujeito, por nascer com o significante, já nasce dividido.
Nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, Freud sistematizou o conceito de pulsão, diferenciando-o do de instinto. O destino da pulsão é incerto. Seu objeto, aquilo em que a pulsão pode alcançar seu objetivo de satisfação, é variável. No entanto, a pulsão apreende um objeto, porém não se satisfaz, deslocando-se de um objeto para outro. Dessa forma, ser homem ou ser mulher não pode ser definido pelo biológico, mas pela linguagem, numa relação entre seres falantes, definida pela posição do sujeito em relação ao significante do desejo. Nada mais que significantes.
Há, portanto, na escolha sexual, uma marca que porta o desconhecimento e a alienação inerentes à própria história do ser falante.
A linguagem dá o sentido humano às coisas. E Lóri aprende a se aproximar das coisas sem ligá-las a sua função e, assim, entrevê como seriam as coisas e as pessoas antes que lhes fosse dado o sentido humano. Já sabe um pouco de si, mas isso não responde ao que ela é como mulher.
Ao ver-se de corpo inteiro no espelho, Lóri pensa que ser um corpo único é também proteção, pois um corpo único lhe dava a impressão de que não fora cortada de sua condição essencial como mulher, qual seja a de ser “não toda”.
 Para encontrar os mistérios do corpo falante, Lóri adentra o mar, que a aceita, apesar da resistência, tal como no amor, em que a oposição pode ser um pedido secreto. Para Lóri, o amor de corpo é estranho e cego, e cada pessoa, sem saber da outra, reinventa a cópia do outro.      
Lóri se des-cobre num estado de graça indizível e incomunicável como o dos místicos e, nesse momento, num gozo mais-além, encontra o impossível de si mesma: [...] “Eu sou tua e tu és meu, e nós é um”[14].  Mas, na questão do amor, o encontro é sempre falho: não há coincidência entre o que o amado possui e o que falta ao amante. O que se ama é o objeto, associado à função daquilo que é amado, o ser do objeto – aquilo que escapa à linguagem –, e não um sujeito. Segundo Lacan, “o amor é impotente, ainda que seja recíproco, porque ele ignora que é apenas o desejo de ser Um o que nos conduz ao impossível de estabelecer a relação dos [...] sexos”[15].
Na posição de habitar a linguagem, há “o homem e mulher”[16]. É por esse a que Lacan funda o estatuto d`a mulher no que ela é “não toda”. No entanto, há mulheres fálicas e há homens cuja função fálica não define a posição homem ou mulher. Como fazer amor?
“Fazer amor, como o nome indica, é poesia”[17].

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Cinema no Fórum - Outubro


XIII Jornada do Campo Lacaniano de Fortaleza - Novo Prazo



NOVO PRAZO PARA INSCRIÇÃO DE TRABALHOS

O prazo para inscrição de trabalhos foi prorrogado para o dia 20 de outubro.


NORMAS PARA ENVIO DE PROPOSTAS DE TRABALHO

Os interessados em apresentar trabalhos deverão encaminhar o resumo junto com o comprovante do depósito bancário de acordo com as seguintes instruções:

•         Texto em arquivo formato Word versão 2003 ou superior
•         Arquivo contendo duas páginas
•         Folha de rosto com o título do trabalho, nome completo do autor, instituição a qual pertence, formação e e-mail.
•         Folha do argumento apenas com o título do trabalho e o resumo, contendo a contextualização do tema e objetivo do trabalho, deve limitar-se a 2000 caracteres.
•        Envio do argumento até 20 de outubro para fcl.fortaleza@gmail.com

A tabela de valores também sofre a mesma prorrogação.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

XV Encontro Nacional da EPFCL-Brasil





Prelúdio 2 - Amor e sexualidade
Marisa De Costa Martinez

As questões relativas ao amor preexistem à psicanálise. É fato que o tema tem acompanhado as produções literárias, filosóficas e psicanalíticas até os dias atuais. Como exemplo da filosofia, podemos tomar a indicação platônica[4], de por volta de 380 a.C., em O Banquete, de que existe uma universalidade no impulso amoroso a qual devemos nos ater. Um exemplo da literatura foi utilizado por Freud a fim de destacar a importância do amor, quando cita Schiller, poeta e filósofo: “são a fome e o amor que movem o mundo”[5] e de forma semelhante, poderíamos pensar que o amor move, inclusive, a psicanálise. Logo de saída a clínica psicanalítica tem tomado a questão amorosa como central, embora não haja um único texto nem freudiano tampouco lacaniano que seja destinado ao amor. Diferentemente, o tema permeia a obra de ambos. Lacan, ainda evidencia o tema ao defender que “todo mundo demanda amor.”[6]
O fato de Freud ter-se ocupado do inconsciente e da sexualidade é conhecimento presente inclusive no senso comum. Ele não pensava o fenômeno amoroso como restrito à vida adulta, mas sim, sua implicação na constituição da sexualidade desde sua infância. A implicação entre sexualidade e amor, entendidos em uma concepção ampla, faz parte do alerta freudiano para a possibilidade de equívoco dos psicanalistas ao esquecer que “usamos a palavra ‘sexualidade’ no mesmo sentido compreensivo que aquele em que a língua alemã usa a palavra lieben (‘amar’).”[7] Talvez essa intersecção seja uma característica peculiar da língua alemã, que nos permite pensar os termos amor e sexo em sobreposição mais do que em outras línguas, acarretando uma consequência ao texto freudiano. Nesse sentido, caberia questionar em que medida o campo amoroso englobaria, também, o conceito de sexualidade, embora saibamos que amor e sexualidade não são sinônimos.
Desde o início da psicanálise as pessoas chegavam à clínica para falar que não conseguiam amar na vida adulta e associavam essa impossibilidade ao amor infantil objetal, demandas estas que Freud denominou de sexuais. As questões relativas ao amor e ao sexos continuam deveras presente em nossa clínica. Nesse sentido podemos tomar a questão de Serge André para iniciar uma discussão em nosso próximo Encontro: “qual é o lugar, a função e a natureza do amor na relação claudicante entre sujeito e sexualidade?”[8]
Lacan insiste sobre a relação do amor e da sexualidade quando propõe que se há algo possível na relação dos sujeitos é justamente o amor, o qual surgiria como suplência da falta primordial e estruturante desses: “o que vem em suplência à relação sexual [inexistente], é precisamente o amor”[9]. Em seguida o autor enuncia novamente o amor enquanto uma possibilidade ao sujeito que vem suprir a falta da relação sexual: “[...] para que eles [seres faltantes] se arranjem, para que eles se acomodem para que, mancos mancando, eles cheguem, mesmo assim, a dar uma sombra de vidinha a esse sentimento dito amor”.
No entanto há uma dimensão de necessidade no amor em detrimento de um distanciamento absoluto dos homens. A clínica evidencia que, embora a satisfação no amor não exista, nem por isso, os sujeitos não continuem a tentar. Há uma atribuição de pertinência no amor ao assumir para a humanidade uma espécie de via para a felicidade, apesar de reiteradas considerações freudianas que apontam os limites da felicidade na suposta completude amorosa. Frente ao real da inexistência da relação sexual os homens poderiam se excluir. Diferentemente, as análises caminham para um laço que Lacan chamou de “um novo amor” enquanto efeito de final de análise. Assim, a leitura do amor como suplência da não relação sexual aponta para uma espécie de ilusão necessária, uma invenção. E sim, estamos de acordo que a invenção do “amor nos torna patéticos”, conforme canta Rita Lee – conhecida como a rainha do rock brasileiro – em sua música intitulada “amor e sexo”.
Por fim, é assim, “patéticos” e cheios de amor para dar, que nós – “novos” do Pantanal – também um local “novo”, nos movemos “manquejando” para receber a todos no XV Encontro Nacional de nossa Escola para falar de Amor e Sexos.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

XIII Jornada do FCL Fortaleza




APRESENTAÇÃO

          Falar de amor, com efeito, não se faz outra coisa no discurso analítico, afirma Lacan no seminário Mais, Ainda. Apesar disso, muitos anos antes, no seminário sobre A Transferência, ele já se queixara de que, embora uma longa tradição nos falasse do amor, para ele "é motivo de espanto que nós, analistas, que nos servimos dele, nada acrescentamos ao que se pesquisou durante séculos sobre este termo."
          Ele pode estar certo nas duas afirmações, pois se encontramos hoje uma carência nas elaborações dos analistas sobre o tema, em Freud há inúmeras passagens tratando do assunto. (Não esqueçamos, aliás, que no começo da psicanálise foi o amor entre Breuer e Ana O.) No texto sobre as pulsões, Freud define o amor como a relação do eu com suas fontes de prazer, uma vez que ele pensa que não se pode dizer que uma pulsão sexual ama seu objeto. Em Introdução ao Narcisismo, o amor é abordado a partir da escolha de objeto. O deslocamento da libido determina duas formas de escolha do objeto amoroso, dois caminhos distintos para essa escolha: a narcísica e a anaclítica, tendo ambas, como matriz, o narcisismo primário.
          Com Freud aprendemos ainda que onde o homem ama, ele não pode desejar e onde deseja, não ama, o que fornece, para ele, a característica da conduta erótica do homem civilizado: o selo da impotência psíquica, dada pela fato de que toda a sensualidade do menino está ligada no inconsciente a objetos sexuais incestuosos. Para poder desejar, ou, como afirma Freud, ser verdadeiramente livre e feliz na vida erótica, o homem precisa perder todo o respeito à mulher, degradando-a.
          Lacan vai retomar esse ponto no seminário sobre O Ato Analítico, onde ele afirma que o analista não pode tomar como verdadeira a afirmação de que todos os homens amam a mulher, "pois o que a psicanálise sabe é que todos os homens amam, não a mulher, mas a mãe".
          As mulheres também estão submetidas a consequências análogas  porém o que não parece existir nelas é a necessidade de rebaixar o objeto sexual, não lhes sendo possível, em muitos casos, dissociar a proibição que aparece na vida erótica das idéias sensuais, mantendo então a relação entre as duas coisas.
          Freud suspeita que há algo na própria natureza da pulsão que é desfavorável à emergência de uma satisfação plena e diz que em consequência do desdobramento da eleição de objeto e da proibição do incesto, o objeto definitivo da pulsão sexual nunca é primário, mas sempre um substituto - daí a série interminável de objetos. Por outro lado, essa mesma incapacidade de satisfação plena da pulsão sexual dá origem à sublimação. Ao mesmo, de acordo com ele, existe um temor fundamental à mulher e um poder que se opõe ao amor, rechaçando a mulher por considerá-la estranha e inimiga. Em termos lacanianos, poderíamos dizer que por não estar totalmente submetida à lógica fálica, que marca todos os seres da mesma maneira, a mulher - ou as mulheres - estão do lado de Heteros, do insuportável do outro pela diferença.
          Tudo isso não exclui que possa haver uma união do sexo com o amor, mas esta é da ordem da contingência, não é previsível, entre outras coisas, porque não há laço social que sustente o amor. As coisas do amor estão fora do discurso ou, como diz Caetano, "toda razão, toda palavra vale nada quando chega o amor".
          O fato é que a relação entre um homem e uma mulher não tem nada de natural. Lacan evoca a situação de um chalé na montanha, um homem e uma mulher isolados na natureza - ou, numa versão tropical, uma casinha de sapé numa praia deserta: é natural que eles façam amor? Ele vai afirmar enfaticamente que não, que homem e mulher não têm nada a ver juntos. "É chato que não possa ensiná-lo sem que isso faça escândalo", diz ele. Antes, ele já havia declarado que há algo de excessivamente complicado no amor com as mulheres.
          Uma das principais elaborações lacanianas sobre o amor se encontra no seminário sobre A Transferência, onde ele nos fala do amor como metáfora, uma vez que é a significação surgida da substituição do amante pelo amado. O que caracteriza o amante é ser aquele a quem falta algo, mas ele não sabe o que lhe falta. Já o o amado também não sabe, porém o que ele não sabe é o que tem. Além disso, o que falta a um não é o que existe escondido no outro, o que provoca todo o problema que há no amor, sua discordância, seu dilaceramento. Basta que se esteja nele, basta amar, diz Lacan, para ser presa dessa hiância, dessa discórdia. Daí o famoso aforismo presente nesse seminário: amar é dar o que não se tem. Lacan, nesse seminário, partiu do chamado amor grego, o amor dos belos rapazes. Como há toda uma coleção de regras para esse amor, ele ocupa a mesma função do amor cortês.
          Dando um salto ao seminário Mais, Ainda - outro que está prenhe de aforismos sobre o amor - vemos aqui Lacan introduzir, entre outras coisas, a relação entre amor, gozo, Outro e signo. Aqui não estamos mais no âmbito da metáfora e, freudianamente, ele afirma que o amor é narcísico, denunciando que a substância daquilo que é pretensamente objetal é de fato o resto, a causa do desejo. O amor, mesmo que recíproco, é impotente, pois ignora que é apenas o desejo de ser o Um, o que nos conduz ao que é impossível de estabelecer, a relação entre os sexos. É outro repetido aforismo: a relação sexual não existe. O amor é o que tenta fazer existir essa relação, é o que vem em suplência à relação sexual, de formas diferentes em cada discurso, mas nele não se trata de sexo.
          A idéia do amor, para Lacan, parte da noção de que dois podem ser um, que "nós dois somos um só", mas essa é a maneira mais grosseira de dar à relação sexual seu significado - pois o sujeito só tem a ver, enquanto parceiro, com o objeto a. Só lhe é dado atingir seu parceiro sexual, que é o Outro, por intermédio disto, de ele ser a causa de seu desejo. Ele não goza, portanto, com o parceiro, mas com um pedaço do corpo do outro, se este se adequar à sua fantasia. Como escreveu Manuel Bandeira, no poema "Arte de Amar": As almas são incomunicáveis / Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo / Porque os corpos se entendem, mas as almas não".
          Apesar de toda a mudança promovida por essa virada que ocorreu no seminário 20, com esse para além do Édipo para onde Lacan se encaminha, alguns pontos permanecem: não há complementaridade entre os sexos, o ser falante estando condenado à discórdia; e o amor, sendo essa forma de escamoteamento da ausência de proporção entre os sexos, se exemplifica melhor no amor cortês.
           Convido a todos, então, a aceitar a convocação implícita de Lacan de que já que nos servimos do amor, acrescentemos nosso grão de sal à questão. A proposta do tema vem como resultado de um ano de trabalho sobre o Seminário, livro 20, Mais, Ainda, no âmbito do Seminário do Campo Lacaniano em Fortaleza. Escrevam suas cartas de amor, suas cartas sobre o amor, inscrevam essas cartas e venham debater conosco, sem receio. Afinal, como escreveu Fernando Pessoa:

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

(...)


Sugestões de Temas:
Amor e desejo
Amor e gozo
Formas masculina e feminina de amar
O amor e suas máscaras
O amor e seus aforismos:
. Amar é dar o que não se tem
. O amor permite ao gozo condescender ao desejo

. O amor é o que vem em suplência à ausência da relação sexual
. O amor é signo de que trocamos de discurso
. O gozo do Outro não é signo do amor
Amor de transferência
A metáfora do amor

NORMAS PARA ENVIO DE PROPOSTAS DE TRABALHO

Os interessados em apresenta trabalho deverão encaminahar o resumo junto com o comprovante do depósito bancário de acordo com as seguintes instruçoes:

. Texto em arquivo formato Word versão 2003 ou superior
. Arquivo contendo duas páginas:
   Folha de rosto com o título do trabalho, nome completo do autor, instituição à qual pertence, formação e e-mail.
   Folha de argumento apenas com o título do trabalho e o resumo, contendo a contextualização do tema e objetivo do trabalho, devendo limitar-se a 2000 caracteres.
. Envio do argumento até 20 de outubro para fcl.fortaleza@gmail.com

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sábado, 6 de setembro de 2014

XV Encontro Nacional da EPFCL-Brasil

Apresentação


O Fórum do Campo Lacaniano do Mato Grosso do Sul sediará nos dias 13,14,15 e 16 de novembro de 2014 o XV ENCONTRO NACIONAL da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano-Brasil.

É com entusiasmo que para lá dirigimos nossa atenção, as questões e trabalhos relativos ao tema deste colóquio - AMOR E SEXOS.

Esperamos que este encontro nos dê a oportunidade de discutir a importância da subversão promovida por Freud com sua descoberta do Inconsciente, sempre retomada com cuidado por Lacan, e as consequências no que diz respeito à Sexualidade, a Pulsão e o Amor.

Quanto à sexualidade, para Freud os sujeitos são, de saída, bissexuais. Com tal postulado, nos ensina que há Homens e Mulheres bem demarcados no sentido do estado civil, mas eles não são feitos um para o outro como reza o discurso religioso, científico e social, porque a pulsão e o desejo, que estão na base da constituição de todo falante, independem de qualquer orientação sexual.

Lacan nos diz, em seu Seminário, livro 19, que o princípio do funcionamento de gênero feminino e masculino é a linguagem, pois "a linguagem é tal que todo ser falante é ou ele ou ela. Isso existe em todas as línguas do mundo.” Mas para ele, a identidade sexual, ser "homem ou mulher", é o resultado de um processo que qualificou de sexuação. Há aí uma ação para indicar que é um processo de linguagem, não um fato de natureza. Este processo distribui os sujeitos em duas categorias: - Aqueles que estão totalmente na função fálica e aqueles que não estão totalmente inscritos nela.

Os primeiros serão chamados Homens, qualquer que seja sua anatomia, e os segundos, que não estão totalmente inscritos na função fálica, se chamarão mulheres.

Quanto ao conceito de pulsão, com seu objeto faltoso e sua força constante pedindo repetitivamente esse mesmo objeto, que não surge jamais, não se pode educá-la nem acomodá-la aos ideais da sociedade, a uma educação sexual.

E o amor, o amor no XV Encontro achará com certeza quem o cante, o analise, não só nas histórias dos costumes ou nos mitos, mas nas descobertas que a psicanálise soube depositar.

Deixo aqui para sugeri-lo ou motivar, o que está no texto de 1914, "Sobre o narcisismo: uma introdução", no qual Freud diz: "É preciso amar para não adoecer".

CG da EPFCL-Brasil
Delma Fonseca
Andréa Milagres
Madalena Kfuri



                                                               ***


Prelúdio 1 

 A insustentável leveza do amor
Francina Sousa

Prelúdio, significante definido pelo dicionário Houaiss da língua portuguesa como “ato preliminar, primeiro passo para (alguma coisa)”, entre outras definições. Trata-se aqui de Ato Preliminar para um Encontro. Em nossa língua o significante “preliminar” facilmente nos remete ao ato sexual, e é dispensável elucidar que amor e sexo nem sempre são solidários, a experiência nos ensina. Permitam-me, pois, uma pequena consideração sobre o amor, primeiro termo de nosso tema.
No começo, o verbo. Amar, do ponto de vista da sintaxe da língua portuguesa, é transitivo. Significa que ele necessita de um complemento, algo que o acompanhe direta ou indiretamente, já que seria carente de algo por natureza. O escritor intui e adverte: amar é verbo intransitivo. Não combina com complementos posto que este significante remete à completude. E não há tal coisa no Amor, ele é tão manco quanto os corações daqueles que toca. O Amor é intransitivo. Não porque encontre tudo de que necessita em si mesmo dispensando todo e qualquer acessório, mas porque os complementos não lhe bastam! Intransitivo, uma vez que não há trânsito entre os amantes, aqueles que compõem a dissonante canção Amor. Gênio responsável pela comunicação entre os seres, não um Deus, o Amor não é maiúsculo...
Aspirando à possibilidade de ser todo, o amor faz com que os amantes acreditem na existência da relação sexual e que dois podem unir-se em Um. A ficção que chamamos amor aparece justamente para nos proteger do horror da não complementariedade entre os sexos. Dois serão sempre dois, apesar do Aristófanes de Platão ter ainda ecos no imaginário ocidental. Aliás, com o mito de Aristófanes, estamos exatamente no nível que nós, modernos, interpretamos o amor. Animado por este sentimento cômico, o amante busca algo para dar ao objeto de amor e é ativo e astucioso nesta interminável busca. Amor é esta crença de que encontramos no outro, na pessoa amada, algo que nos é precioso, aquilo que nos falta, um bem do qual queremos gozar e tal bem nos desperta para o desejo. Só que “o que falta a um não é o que existe, escondido, no outro. Aí está todo o problema do amor”[1], já nos diz Lacan nas primeiras páginas do Seminário sobre a Transferência. Caetano canta o desencontro da bruta flor do querer amoroso já que “onde queres revólver, sou coqueiro/E onde queres dinheiro, sou paixão/Onde queres descanso, sou desejo/E onde sou só desejo, queres não.”
Para tornar-se um amante, para ser tocado e animado pelo amor, uma transformação faz-se necessária. Mais precisamente uma metáfora, “na medida em que aprendemos a articular a metáfora como substituição”[2]. Um sujeito deve vir em lugar de outro. Seguindo o Lacan do Seminário 8, onde era o amado (objeto), deve o amante (sujeito) advir. Lacan ilustra esta operação com um estranho mito: uma mão que se dirige desejosa em possuir um objeto inanimado. Deste objeto, milagrosamente, estende-se outra mão, que busca pela primeira. As mãos não se tocam, permanecem neste espaço eterno (enquanto dura) tentando encontrar-se.
Recorro ao “nosso” Milan Kundera[3] e sua obra maior, A Insustentável Leveza do Ser, verdadeira lição sobre o amar na modernidade, para tentar expressar o milagre inerente à significação do amor. Este livro conta a história de amor entre Tomas e Tereza. O narrador revela ao leitor o momento preciso em que Tomas cai de amor por Tereza. Até então, fora ele um celibatário decidido, que havia encontrado um equilíbrio entre seu desejo e temor das mulheres naquilo que batiza como “amizade erótica”. Ingênuo, assim como o Erixímaco do Banquete, acredita que o equilíbrio, a harmonia seria possível entre os corações. Tomas tem inúmeras amantes, não ama nenhuma delas. No entanto o homem preparado e convencido a permanecer celibatário trai-se. É nesta traição que a falta e o desejo se expressam. A crença que o suposto equilíbrio de estar com todas e nenhuma ao mesmo tempo lhe trazia desmorona no momento em que é atingido pelo amor, momento em que está diante desta mulher que mal conhece e que vê pela segunda vez.
O que permite a Tomas sair de sua posição anterior, o que teria essa mulher de tão especial? Para ser amada por um homem uma mulher deve oferecer-se como objeto causa de seu desejo, objeto a. Tereza aparece exatamente neste lugar. Imaginariamente unido a ela, Tomas sente que não sobreviveria à sua morte, como se fossem parte vital um do outro. Para ele, Tereza “não era nem amante nem esposa. Era uma criança.” Abandonada. Esta é a metáfora que representa Tereza em seu inconsciente e que funciona justamente para que ele, Tomas, metaforize-se em outro, aquele que salva e protege esta criança:

“Mais um vez ocorreu-lhe que Tereza era uma criança posta numa cesta untada com resina e abandonada ao sabor da corrente. Como deixar derivar para as águas impetuosas de um rio a cesta onde se abriga uma criança? Se a filha do faraó não tivesse retirado das águas a cesta do pequeno Moisés, não teria havido o Velho Testamento e toda a nossa civilização! No começo de tantos mitos antigos, existe sempre alguém que salva uma criança abandonada. Se Pólibo não tivesse recolhido o pequeno Édipo, Sófocles não teria escrito sua mais bela tragédia! Tomas compreendeu então que as metáforas são perigosas. Não se brinca com as metáforas. O amor pode nascer de uma simples metáfora” (p.16)

Sim. As metáforas são perigosas. O amor nasce de uma simples metáfora...