segunda-feira, 28 de novembro de 2011

VII Encontro Internacional da IF-EPFCL - Prelúdio 2



VII Encontro da IF-EPFCL
O QUE RESPONDE O PSICANALISTA? ÉTICA E CLÍNICA.
6 - 9 de julho de 2012

PRELÚDIO 2:
SE FAZER NO REAL, CLÍNICA E ÉTICA.
Carmen Gallano

Clínica e ética, se definem com Lacan em uma relação com o real. A clínica é o que chega ao analista a partir de seu encontro com o paciente: o real como o impossível de suportar para esse sujeito. Quanto à Ética, Lacan assinala desde a primeira lição de seu Seminário "A Ética da Psicanálise": "A questão ética, pelo quanto a posição de Freud nos faz progredir nisso, articula-se numa orientação do homem em relação com o real".
Na prática, a primeira resposta do analista, com seu dizer e seu fazer dizer ao sujeito, aponta para que o real se inclua em um sintoma analisável: um nó de sentido gozado nesses significantes que no inconsciente do sujeito portam um gozo fora do sentido.
Só assim, quando o gozo desprazeroso do sintoma traz consigo o enigma do sentido, o real da clínica abre caminho para a experiência do inconsciente. Pois a emergência da pergunta no sujeito sobre "o que quer dizer este mal-estar?" o impulsionará a querer decifrá-lo nos significantes de sua história, aqueles que o determinaram no Outro e para o Outro.
Vemos então que tanto a Clínica psicanalítica, a do sintoma, como a Ética, a do psicanalista, conectam o real com um dizer. São dois dizeres heterogêneos.
O dizer do analisante que entra na experiência do inconsciente na transferência se dirige a uma busca de sentido que pudesse resolver o “ser de verdade” do sintoma em um saber. E o que descobrirá é a significação de uma repetição, que não esgota nenhum sentido, na qual o real se manifestará como encontro falho, até que se desvele como motor. Quando cai a crença nos efeitos de sentido e o sentido gozado na elucubração analisante, se joga para ele sua ética, nesse encontro com o real, e se está disposto a renunciar à sustentação de seu fantasma, que se tornou fonte de nefasta repetição e inoperante para encobrir a radical falta do Outro.
Nos cartéis do Passe assistimos às vezes a testemunhos de analisantes em duas vertentes: uns continuam degustando a proliferação de sentido com as formações do inconsciente, deixando fora da análise algumas emergências do real em passagens ao ato e acting-outs, que como de soslaio aparecem nos avatares de sua história relatada, e outros situaram, não sem horror de saber, o objeto a de sua fantasia de desejo, posto no analista, olhar ou voz, que então cai como depositário do Sujeito suposto Saber, e o objeto de gozo pulsional que se fazem ser em sua fantasia neurótica, oral ou anal, com as conseqüentes servidões na relação com o Outro para mantê-lo sem falta.
Outros, ainda, e que têm mérito, testemunham do real com o qual se confrontam em sua psicose, e suas respostas subjetivas frente a esse real, às vezes com resultados surpreendentes de invenção sintomática, outras com uma certeza que deriva em convicção delirante inquestionável.
Alguns se detém aí e outros não, pois alguns testemunham desse passo pelo real que, trransformando-o de traumático em causa de um desejo de saber, surpreendem o cartel com o modo singular pelo qual um sujeito se satisfaz do fora de sentido de seu gozo e da relatividade de uma verdade de seu saber de sujeito, com o que não se ocupará mais dela, para orientar-se nas marcas próprias de sua lalingua.
É o que promoveu Gracián – e lhe custou a prisão pelas autoridades religiosas – de quem Lacan tomou a ética do “bem dizer”. Disse sobre a verdade, que esta sempre “estará de parto” e nunca terá nascido completamente em uma ética do “bem dizer”, a do “discreto”. Nessa época, um bom autor de teatro do “Século de Ouro”, Ruiz de Alarcón, encenou com genialidade os difíceis caminhos de “A verdade mentirosa”, obra que não acredito que Lacan tenha lido, pois nesse caso, a teria citado. E outro espanhol, não menos lúcido, o melancólico Goya, ilustrou, em século posterior, quantos “sonhos da razão” engendram monstros ao pretender fazer das verdades, saber.
Os monstros, como sabemos, são as figuras da fantasia, os modos nos quais alguém “se sente ser” objeto do gozo do Outro, e nos quais se faz horrendo o gozo do Outro. O modo no qual essas figurações deixam margem ao dizer do analista, para que o analisante não fique nessas imaginarizações do real de sua posição de objeto de gozo ou o de seus traumáticos parceirosé um assunto crucial para o desejo do analista. Esse desejo do analista se expressará em seu dizer e em seus atos, orientados a tirar o analisante desse impasse.
Prestemos atenção ao que diz Lacan em seu Seminário Problemas cruciais da psicanálise: “Nenhum desenlace é possível no enigma de meu desejo sem essa passagem pelo objeto a. Escutei em uma de minhas análises, faz pouco tempo, utilizar o termo, a propósito de alguém cuja análise não parece ter-lhe servido muito, por suas qualidades pessoais. Ocorrem então – dizia meu analisado – ‘abortos analíticos’. Me agradou bastante essa fórmula. Eu não a havia inventado. De fato; existe um giro da análise, onde o sujeito permanece perigosamente suspenso nesse feito de reencontrar sua verdade no objeto a. Pode manter-se aí, e isso se vê”1.
É nesse momento crucial no qual o sujeito padece de reduzir sua verdade ao objeto a que se faz ser em sua fantasia, que se joga verdadeiramente a ética do desejo do analista, quando já cabem apenas escassas interpretações significantes, por mais que sabidas, que acentuem as marcas do dizer do Outro nas quais o sujeito se fixou. E como nesses momentos cruciais, nos quais ocorre o final de uma análise e o destino do desejo e do gozo de um analisante, opera ou não com incidência na posição do sujeito, seu analista? Seria apenas assunto de uma “qualidade pessoal” ou de como incide nela o analista?
Pouco se pode avaliar da resposta do analista nesses momentos cruciais pela via dos testemunhos do Passe, eu o comprovei ao longo de 12 passes recolhidos nos cartéis em que estive até agora: o falho do passe a analista fica do lado do passante, por lógica, exceto em casos flagrantes de mal proceder do analista dos quais testemunha, eventualmente, o passante.
Por isso, a questão que quero abordar neste Prelúdio para nosso Encontro no Rio, é a que é mais difícil de examinar e sobre a qual careço de resposta: de que modo o dizer do analista, que parte de sua relação com o real do inconsciente, com um real que não é o da Clínica, pode incidir nos diversos avatares em que o analisante padece do real de um gozo que não entra em seu desejo e incidir em benefício da satisfação subjetiva desse analisante.
Na lição do Seminário citado, Lacan diz: “o real é o que não pode não ser”. Definição que não resolve a especificidade do real que explode na crise atual do capitalismo tardio e que gera “impossíveis de suportar” para massas crescentes de população, tremendos sintomas sociais, mas Lacan, depois, esclareceu muito bem, em “A Terceira”, a diferença do real que atravessa o discurso do mestre e o real do sintoma de um sujeito, no qual atua o seu inconsciente particular.
E cabe a cada analista não deixar nunca de interrogar-se sobre o que o faz analista: esse peculiar e incalculado dizer que tece suas respostas em relação com o real que de tão diversos modos se apresenta em seus pacientes.

Madrid, 4 de setembro de 2011.
Tradução de Maria Luiza Sant‛Ana
1 Lição de 16 de junho de 1965. Seminario não publicado.


domingo, 20 de novembro de 2011

X Jornada do FCL-Fortaleza - Programa

X JORNADA DO FÓRUM FORTALEZA
I JORNADA DE CARTÉIS DO FÓRUM FORTALEZA

25 E 26 DE Novembro de 2011
PROGRAMA
25/11 – Sexta-feira
18:30 – Credenciamento
19:00 – Abertura
-    Lia Silveira ( Coordenadora do FCL – Fortaleza)
-    Sandra Mara (Coordenadora da Jornada)
-    Osvaldo Costa (Coordenador da Comissão Científica)
19:30Conferência: O Desejo e Sua Interpretação
    Luis Andrade (Psicanalista, Prof. Titular da UFPB, Membro da Escola Freudiana de João Pessoa e membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano)
    Coordenação: Osvaldo Costa
21:00 – Coquetel
26/11 – Sábado
8:00 – Credenciamento
8:30 – Mesa 01: A Interpretação e ato analítico
-    A Interpretação: da decifração ao ato (Andrea Rodrigues)
-    Questões sobre a técnica: interpretação e ato (Sandra Mara Dourado)
-    Coordenação: Fabiano Rabelo
09:40 – Intervalo
10:00 – Jornada de Cartéis – As Estruturas Clínicas
-    Notas acerca das (im)possibilidades  da clínica com psicóticos (Adriana Osterno)
-    Considerações sobre o desejo na neurose: uma verdade referente a si mesma (Elynes Barros)
-    O Cartel, a Associação, a Escola (Fabiano Rabelo)
-    Uma parte de mim é só vertigem, outra parte linguagem: o falo, o objeto a e suas consequências para a estruturação do sujeito na neurose. (Lia Silveira)
-    Qual o valor de dois + 2?  Argumentos para desinstransformar conceitos  (Sandra Mara)
-    Coordenação: Andrea Rodrigues
-    Debatedor: Luis Andrade
12:30 – Intervalo para almoço
14:00  – Mesa 02:  Psicanálise e a constituição do Sujeito
- O silêncio na enfermagem: possibilidades para a clínica ao considerar o sujeito do inconsciente (Francisco Paiva e Lia Silveira)
-     Ficção e ato na passagem da função do semelhante ao semblante do objeto. (Paulo Parente)
-    É isso que Lasca! Algumas observações sobre a noção de sujeito. (Luis Achilles)
-    Coordenação: Sandra Mara
15:40 – intervalo
16:00 – Mesas Simultâneas
Mesa 03: Psicanálise e arte
-    Black Swan: Análise Estrutural (Lia Pressler)
-    Bukowski, Drogadição e Fantasia: uma análise para além do “velho safado” (Lia Silveira, Bruna Camarotti e Francisco Paiva)
-    O Fantasiar na ciência e na literatura (Osvaldo Costa)
-    Coordenação: Chico Paiva
Mesa 04: Psicanálise e Contemporaneidade:
-    Os Limites de Afrodite: Interrogando o corpo belo e seus contornos na contemporaneidade (Camila Lopes)
-    Crítica da Psicanálise às Éticas Filosóficas Tradicionais (Jackeline Farias)
-    A Universidade e a formação analítica: ainda alguns pontos a serem discutidos na tessitura do lugar do analista pela lente de uma estudante de psicologia em hospital-escola. (Camila Vieira e Gardênia Lopes)
-    Coordenação: Luis Achilles
18:00 encerramento

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

X Jornada do FCL-Fortaleza - Apresentação e Programação Básica



“... o mais difícil não é um ser bom e proceder  honesto, dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até no rabo da palavra.”
                                                                       Guimarães Rosa

A Psicanálise surge demarcando a disjunção entre saber e verdade, exigindo que o sujeito se (re)situe diante do desejo e do saber. Sustentando-se no método da livre associação, ela desenvolve uma experiência de cura realizada do início ao fim pela palavra, na condição de instrumental que possibilita ao desejo ser reconhecido. A invenção freudiana retira seus fundamentos da descoberta do inconsciente, da indestrutibilidade do desejo cuja coalescência com a sexualidade se extrai do objeto perdido, não por acidente, mas por estrutura.
Freud aponta que a psicanálise se apóia numa outra ética, a do mal estar na civilização. Há na estrutura do desejo algo mais do que um valor de uso e uma distribuição de gozo como pretenderia um poder que se diga justo. A política da psicanálise é sustentada por um imperativo ético que tem na sua causa, a coisa (das Ding).
Com Lacan, sabe-se que o que se encontra em jogo é o objeto a como causa do desejo. É a isso que se vem articular o desejo do analista, operador que conferirá à palavra o valor de interpretação. O paradoxo da interpretação, portanto é que, por ser escutada desde o Outro, ela se afirma na transferência, na estrutura do Sujeito-suposto-saber, mas questionando-o abre a via do desejo enigmático. O enigma é por definição uma enunciação. Seu breve enunciado faz aparecer a fenda de uma enunciação que interroga: Que quer o Outro? Com o retorno da questão para o sujeito: Que sou eu para esse Outro?
Esse Outro, escrito com letra maiúscula é o lugar do tesouro dos significantes, entendendo-se esse tesouro como lugar em que se reúnem os elementos de valor. O que é interpretar? Interpretar é um ato por meio do qual há reconhecimento do desejo, sempre enigmático, pois articulado pelo significante. Um sentido novo, que, ao desalojar o sujeito de uma alienação, o lança no movimento de outras significações.
A operação do analista é possibilitar a emergência do desejo na re-petição da demanda, ou seja, fazer fulgurar um desejo que se apresenta como inarticulado a toda demanda ex-sistente aos seus ditos, dos quais o sujeito é efeito.

A transmissão, a pesquisa e o ensino em psicanálise são propostas que fazem os pilares de trabalho do Fórum do Campo Lacaniano de Fortaleza que, neste ano de 2011, completa 12 anos de existência. Acreditamos na responsabilidade de transmitir, sempre que possível, a ética implicada na formação do analista, tendo em vista, sua extrema importância na prática clínica dos praticantes da psicanálise.
Entusiasmados pelo sucesso do Encontro Nacional da EPFCL- Brasil, ocorrido ano passado, no qual tivemos como convidada internacional a psicanalista francesa, Collete Soler, aluna e analisante de J.Lacan, prosseguimos ao longo deste ano com nosso Seminário de Formação, cujo tema “O Desejo e sua Interpretação” está em consonância com o Encontro Nacional da EPFCL- Brasil, em Salvador de 04 à 06 de Novembro, “A Lógica da Interpretação”.
Esta jornada é o momento de reunir e divulgar os trabalhos desenvolvidos ao longo do ano tanto pelos membros do fórum, como por àqueles que frequentaram nossas atividades e também para outros interessados que queiram submeter suas propostas.

Programa

25/10 - Sexta-feira

18:30 h - Credenciamento

19:00 h – Abertura : Lia Silveira (Coordenadora do FCL- Fortaleza)
                              Sandra Mara Nunes Dourado  (Coordenadora do Jornada)

19:30 h – Conferência : O Desejo e sua Interpretação – Luís Andrade (Psicanalista, Professor Titular (aposentado) da UFPB, membro da Escola Freudiana de João Pessoa e 
membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano).

21 h – Coquetel

26/10 – Sábado

8 h – Credenciamento

8:30 – Mesa de trabalhos

9:40 – Intervalo (cofee break)

10 h – Seminário de Cartéis
Coordenadora: Andréa Rodrigues
Debatedor: Luís Andrade

12:30 h  - Intervalo para almoço

14 h – Mesa de trabalhos

15:40 h – Intervalo

16 h – Mesa de trabalhos

17:45 h – Encerramento

Coordenadora: Sandra Mara Nunes Dourado
Comissão Científica: Osvaldo Martins
                               Luís Achilles R. Furtado
                               Fabiano Rabelo
Comissão Organizadora: Andrea Rodrigues
                                   Elynes Barros        
                                   Lia Silveira
Comissão de Apoio: Graça Soares
                              Ivna Borges
                              Nálplia Xavier


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

III Encontro Internacional da Escola - Prelúdios 7 e 8


ALTERAÇÃO DO FIM
Marie-José Latour

Ao contrário das séries televisivas que prometem “sequência  e fim” [suite et fin], nossa Escola anuncia “A análise, os fins e as sequências”. Alguns encontrarão elementos para ler nesse título a confirmação de que uma psicanálise é realmente muito longa, e até mesmo tão longa que não termina! Ledos sonhadores que não querem saber até onde vão empenhar a esperança insensata de uma eternidade! A impertinência da inversão dos termos é congruente à reviravolta da cronologia produzida por uma psicanálise e nosso título coloca o problema em termos lógicos: como concluir aquilo que não admite o fim?
            Com efeito, a transferência, que só pede para durar, o inconsciente inesgotável e a vida que continua excluem a possibilidade de colocar o fim de uma psicanálise em termos de advento da última palavra ou do último passo. Então, a questão não seria tanto como terminar quanto prosseguir até o fim?
            No fim de seu filme In girum imus nocte et consumimur igni, Guy Debord havia feito aparecer ao invés da tradicional palavra “fim”, a frase “retomar desde o começo”. Mas uma psicanálise não é um palíndromo e se o fim não é sem consequência é precisamente porque se espera de um psicanalista que se passe algo ali. Que algo se passe ali e que não seja somente da ordem da peripécia, mas que vise o ponto em que a narração se separa da hystoria. O dispositivo inventado por Lacan, o passe, é propício a recolher essa mudança de plano. Assim, na falta daquilo que a malícia da língua nomeia como um belo fim ou um não fim, teria uma psicanálise um pós-fim?
            No campo literário, o epílogo é a última parte de um texto que vem dizer, depois do fim, o que aconteceu. Mas anteriormente, era o nome dado ao pequeno discurso em verso recitado por um ator no final de uma representação para pedir aos espectadores sua aprovação. O epílogo indica, portanto, que há material de sobra para dizer ainda, “um dizer mais além”. A partir daí, não se trata tanto de elucidar quanto de fazer reverberar, não tanto de produzir um segundo fim quanto de reiniciar.

            Se a peroração de uma psicanálise não fecha nenhum caminho, ela vale por aquilo que ela indexa do “aberto”. Alterar os fins pelas consequências pode contrariar a tentação da conivência que reduz as falhas, encerra o pensamento, estreita a elaboração, ameaça a alteridade. A alteração do fim tem a chance de produzir essa linha de instabilidade na qual se mantém aquele que aprendeu de sua experiência psicanalítica aquilo que sua singularidade deve ao comum.

Agosto de 2011.

Tradução de  Cícero Oliveira
Revisão de Dominique Fingermann

O ATO DO FINAL DA ANÁLISE E SUAS CONSEQUÊNCIAS
José Antonio Pereira da Silva

Há hoje uma ampla teorização a respeito do final de análise. Percebemos que Lacan no seu ensino retirou este momento da análise de um referencial cronológico para um lógico. No Seminário O ato psicanalítico[8], Lacan caracteriza a função da psicanálise como instituindo um fazer pelo qual o analisando obtém certo fim, fim este que ninguém pode fixar claramente.
            Ao indagar sobre as relações do final de análise com o ato analítico, encontramos Ida Freitas[9] dizer que se o final da análise é um ato, é dizer que é sem sujeito, que é sem cálculo possível para o final da análise, não existe o tempo certo, o tempo exato, nem antes ou depois.
            Para Lacan, o que está no centro da definição do ato psicanalítico é a acepção de o analista ser rejeitado à maneira do objeto a; o analista ser rejeitado como merda. Ele chega a dizer, não há apenas merda no objeto a, mas frequentemente é a título de merda que o analista é rejeitado[10]. Esta é a formulação de Lacan para o final da análise no seminário sobre O Ato Psicanalítico.
            O objeto a, enquanto aquele que ocupa a função determinante do desejo, mascara um oco, um vazio, que esconde a falta fálica, esta coisa que falta no centro da relação do homem e da mulher. Trata-se precisamente disso, apontou Lacan, que não se tem jamais o saber do outro sexo[11]. Isso resulta na admissão da castração, quer dizer, em uma certa verdade que é a de sua impotência, da sua impotência em fazer, algo de pleno do ato sexual.
            O final da análise, aponta Soler[12], não é identificável pelo fato da castração, uma vez que a castração não conhece “cessa”. Não é um impasse sobre a castração, mas um impasse sobre a posição do sujeito em relação à castração. Freud, em “Análise terminável e interminável” [13], conclui que no final da análise se deixe ao sujeito a decisão, e até mesmo a escolha de uma posição.
            Há, portanto, um final de análise. Vamos colocá-la aqui a partir do que Lacan chamou de momento do passe, como uma metamorfose do sujeito, ao fim. Há um final de análise que consiste em ter aprendido uma espécie de saber fazer aí com seu mais-de-gozar, para fazer servi-lo; para “se fazer ser” por suas obras e por seus amores. O sujeito analisante no final da análise que se experimenta como falta-a-ser, encontra uma posição de ser que cuida da sua falta-a-ser. O analisante no final recebe a chave de sua divisão – elabora um saber -, constrói sua história, verifica a causa do seu desejo.
            O saber não é a última palavra da psicanálise, é o que nos mostra Soler[14], pois existe uma falha estrutural no saber, o significante não dá conta de tudo, ou seja, quaisquer que sejam os significantes, as palavras produzidas jamais reduzirão o “menos um” que neles existe. Se não há todos os significantes, há o objeto a, que vem onde o significante não responde. O saber adquirido é duplo: saber do impossível, mas também saber da singularidade. O analisante tem uma espécie de panorama sobre o que o distingue, sobre sua maneira própria de fazer com a sua falta e de compensá-la.
            O sujeito transformado pela análise se definirá por uma nova relação com a castração e com a pulsão. Este seria um outro ponto, além da castração, que esperamos de uma psicanálise, onde a pulsão com a sua plasticidade, a qual pode tomar diversas formas como disfarçar-se, mudar de figura, de objeto, de via, até alcançar a satisfação, condiciona todas as realizações humanas. Por exemplo, a pulsão oral, nenhuma comida pode satisfazê-la, mas, ao mesmo tempo, qualquer coisa pode satisfazê-la parcialmente. O oposto a isso, nas pulsões, é a sua inércia.
            Dessa forma, observamos que parece existir um deslizamento infinito no gozo pulsional na metonímia do discurso e das atividades que se ordenam através desses discursos. É o que me parece levar Soler[15] a sugerir que todas as buscas, os esforços no campo profissional ou no campo do amor, todas se geram da perda primária, mas se sustentam positivamente com o deslizamento do gozo pulsional na metonímia. O que quer dizer que todos os objetos são postiços, tanto nos homens como nas mulheres, todos os objetos, em todas as atividades, são postos no lugar em que uma parte de gozo foi perdida e reencontrada em um objeto sempre postiço.
            A análise no seu final pode dar a possibilidade de uma nova escolha do sujeito, de um novo desejo, ou ao menos de um novo efeito de desejo. Eu diria, para um analista, teria como consequência, a escolha pelo desejo de saber – Wisstrieb.  Uma vez circunscrito à castração, que é a causa do “horror de saber” que é o recalque, é da queda desta causa que pode emergir o desejo de saber do analista. E assim se produzir um analista.
            Esses e outros pontos da análise, fins e consequências serão amplamente debatidos no 3º Encontro Internacional de EPFCL em dezembro de 2011 em Paris. Até lá.
                                                           Salvador,  julho de 2011.

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[1] Soler, C. In:Debates sobre o passe”. Madrid. 10 de junho de 1991. Publicação do colégio de Psicanálise de Madrid.
[2] Lacan J. In: Séance de travail su la passe”  3/11/1973. Congresso da EFP novembro de 1973. Publicação em Lettres de L’EFP número 15 junho de 1975. Tradução: Irene M. Agoff de Ramos para divulgação interna na Escola Freudiana de Buenos Aires.
[3] Lacan, J. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista de Escola, p.260.
[4] Lacan, J. “Discurso à E.F.P. de 6 de dezembro de 1967” documentos de trabalho número 1.Tradução de Hèlène Déjean revisada por Vicente Mira.divulgação interna, p.279.
[5] Clastres, Guy. Comentários ao texto de J. Lacan.  “Notas sobre a eleição de passadores de 1974” em “Debates sobre o passe”.  Madrid, Sessão de 5 de abril de 1992. Publicado pelo colégio de Psicanálise de Madrid.
[6] Lacan, J.  “Nota sobre a eleição de passadores”. 1974.
[7] Clastres, Guy op.cit
[8] Lacan, Jacques. O Ato psicanalítico: O seminário, Livro XV [1967-1968]. Inédito, Xerocopiado.
[9]Freitas, Ida. Final de análise: Decisão ou Ato? Coletânea: O Ato Psicanalítico. Salvador: Associação Científica Campo Psicanalítico, 2003.
[10] Lacan, Jacques. O ato psicanalítico, op. cit., p. 269.
[11] Id., Ibid., p.271.
[12]Soler, Colette. Que final para o analista? [1989]. In: A psicanálise na civilização. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1998, p. 312.
[13]Freud, Sigmund. Análise Terminável e Interminável [1937]. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Tradução de Jaime Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v23, p. 287.
[14]Soler, Colette. Que final para o analista? Op. cit., p. 319 – 320.
[15] Soler, Colette. O que posso esperar...de uma psicanálise [1993]. In. A psicanálise na civilização, Rio de Janeiro: Contra Capa, 1998. p.470.

domingo, 6 de novembro de 2011

III Encontro Internacional da Escola - Prelúdio 6

A OFERTA ANALÍTICA E O FINAL DE ANÁLISE
Silvia Migdalek
Lendo a primeira mensagem que o CAOE divulgou anunciando o III Encontro Internacional da Escola, experimentei um entusiasmo "novo". Nesse primeiro prelúdio assinado por Albert Nguyên lemos afirmações fortes e decididas. Na justificativa do título e no desenvolvimento dos eixos argumentativos há uma decisão política em jogo, que é a de escrever os primeiros traços por onde transitará o debate que proximamente tornará a reunir nossa comunidade constituída de Fóruns e de Escola.
      A que nos convoca "A Psicanálise, fins e consequências"? Este é um tempo em que já é possível fazer uma série e avaliar os resultados da experiência de nossa Escola (o passe, o passador, o AE, o AME, os cartéis do passe, o pós-passe etc.).
     O entusiasmo, a que me referi no começo advém, parece-me, do fato de que encontrei uma ênfase ou um novo acento, algo da ordem de um dizer novo que convida ao debate e a reflexão. Debateremos os finais. Creio que os cartéis do passe são uma parte importante no funcionamento da Escola, tanto como elaboração e produção do que se pode extrair dos finais de análise na experiência do passe, como também fazendo dessa elaboração transmissão para a comunidade de Escola. Porém, para além disso, este III Encontro está centrado mais precisamente na abertura epistêmica e clínica que se produz na obra de Lacan a partir da década de setenta.
        O primeiro prelúdio nos indica- e nisso reside o acento- que a ênfase desta vez, está colocada no que se denomina "uma positivação do final de análise", quer dizer do que é esperado no final de análise como um resultado, uma satisfação do final como afeto positivo de conclusão. Lacan fala da satisfação que marca o final de análise. Retornaremos depois sobre esse ponto.
         Pergunto-me que efeito tem este acento da positivação final, sobre a oferta de tratamento que fazemos em psicanálise. O que ofertamos?
         "A oferta antecede o requerimento de uma urgência que não se tem a certeza de satisfazer, salvo ao havê-la avaliado".
         A oferta da psicanálise convive hoje com as características de nosso tempo. Para mencionar alguns aspectos, temos uma cultura em profunda crise de diferentes ordens: econômicas, de valores, de paradigmas, éticas, etc. Isto de fato não deveria ser um impedimento para o desenvolvimento do trabalho analítico, pelo contrário a psicanálise se desenvolveu e cresceu em tempos de crise, tempos que tensionam ao máximo as condições estruturais do mal estar que a cultura impõe aos sujeitos, tais como: a primeira pós-guerra para Freud e seus discípulos, a segunda guerra para a Escola Inglesa, a segunda pós-guerra e o exílio dos europeus nos EEUUU, fim dos anos 1960 na França e na Argentina, meu país, foi o início de uma época obscura de horror, que aconteceu simultaneamente à consolidação, o crescimento e o desenvolvimento da psicanálise local. Tema este que provocou não poucos debates intensos, acerca do papel das instituições analíticas e da análise mesmo nesses tempos negros. Penso que constituíram um refúgio.
     O que igualmente se caracteriza em nosso tempo é que assistimos a uma proliferação de ofertas de tratamento aos "mal-estares psíquicos", provenientes de campos e práticas discursivas muito diversas, alguns deles refratários à ética e ás intervenções analíticas. É para nós uma obrigação ética explorar as dimensões e razões da dita situação porque é preciso delimitar os alcances e a eficácia de nossa prática na cultura de nossos dias.
    O tema da oferta analítica me parece decisivo, além do mais porque na oferta sempre há alguma idéia implícita acerca de como se pensa o final de análise ainda que se a ignore. Melhor então não ignorá-la e poder avaliá-la melhor pelos resultados da experiência para poder precisar qual é nossa oferta como discurso da cultura.
     Parece-me então que na Escola o passe é a oferta mais contundente que podemos fazer como instituição analítica.
     Para Lacan a pergunta continua sendo; que pode impulsionar alguém,"sobretudo depois de uma análise a hystoricizar-se por si mesmo" e dar conta do surgimento do desejo de tomar posição surgido como fruto da dita experiência. Porém apontando claramente para um mais além do final pela via dos espelhismos da verdade mentirosa, isso "tem como fim apenas a satisfação que marca o final de análise", nos disse Lacan.
     Como nos diz o prelúdio, tratar-se-ia "de algo muito mais mobilizador que as negatividades da estrutura, a angústia de castração ou a religião do furo". Muda a ênfase na perda, ou em isso que sou e no que caio e podemos encontrar e esperar uma satisfação em termos de uma mutação pelo afeto.
       Este último, com certeza merecerá extensos desenvolvimentos, a satisfação e o estatuto do afeto deverão ser examinados. De que satisfação se trata? Sabemos a conexão que este último termo tem com a pulsão, a satisfação é a meta da pulsão, e as pulsões "são o eco no corpo pelo fato de que há um dizer". E quanto a ideia da mutação pelo afeto, em que lugar estrutural vem o afeto, evidentemente não é o afeto da angústia como signo do real, como tampão, como defesa. É complexa uma frase de Lacan do Prefácio, na qual diz:
"a falta da falta constitui o real, que só sai assim, como tampão. Tampão que é sustentado pelo termo impossível, do qual o pouco que sabemos, em matéria de real, mostra a antinomia com qualquer verossimilhança ".
Penso que o verossímil supõe a cena, a fantasia, a verdade mentirosa, há um Real ali em jogo. Porém é esse outro Real antinômico a toda verossimilhança o que ressoa como afeto de satisfação do final?
        Para concluir, queria recordar uma conferência dada à imprensa em Roma, antes do VII Congresso da EFP, na qual Lacan interveio com A Terceira. Corria o ano 1974, tempo em que claramente Lacan interrogava a função do Real na clínica e dois anos antes do texto do Prefácio à edição inglesa do Seminário 11. Impulsionados pelas observações de Colette Soler encontramos aqui o segundo modelo de Passe proposto por Lacan e ao qual nos referimos neste texto.
       Nesta conferência dada à imprensa, Lacan responde com genialidade e agudeza às perguntas de seus interlocutores. Entre outras coisas tenta mostrar o tratamento que a religião e a ciência dão ao Real em suas diferenças com o Real que se alcança na experiência analítica. Não é otimista a respeito do futuro da psicanálise, especialmente pela possibilidade de sua transformação em uma religião no sentido de que esta não se cansa de segregar sentido, e afirma que não acredita que isso seja o viés de seu ensino. "Se a religião triunfa será o signo de que a psicanálise terá fracassado". Da ciência disse que "sua posição é totalmente impossível, porém ocorre que ela não tem a menor idéia disso".
E conclui "o analista por sua parte é algo muito diferente. Está em uma espécie de momento de mutação. Durante um breve instante nós pudemos dar conta do que era a intrusão do real. O analista permanece aí. Está aí como um sintoma e não pode durar mais que a título de sintoma". Só a força de afogá-lo no sentido religioso que se poderá reprimir esse sintoma.
     É interessante colocar estas reflexões de 1974 em conexão com as de 1976 do Prefácio, onde Lacan - reconhecendo necessariamente o fato de que a psicanálise mudou desde sua fundação por Freud - faz uma afirmação que vem nos ocupando - acerca do novo estatuto que se abre do inconsciente, diferente do real do inconsciente, que é o "inconsciente real". Isto também fará parte de nossos debates e não deixa de ser emocionante.
                                                                                    Julho de 2011
Tradução de Elisabeth da Rocha Miranda
Bibliografia:
J. Lacan, 1974, Actas de la Escuela Freudiana de París, VII Congreso de Roma, Conferencia de prensa, Ed. Petriel
J. Lacan, 1975/6 El Seminario, Seminario 23, El Sinthome, Ed. Paidós
J. Lacan 1976, Intervenciones y textos 2, Prefacio a la edición inglesa del Seminario XI, Ed. Manantial