domingo, 6 de novembro de 2011

III Encontro Internacional da Escola - Prelúdio 6

A OFERTA ANALÍTICA E O FINAL DE ANÁLISE
Silvia Migdalek
Lendo a primeira mensagem que o CAOE divulgou anunciando o III Encontro Internacional da Escola, experimentei um entusiasmo "novo". Nesse primeiro prelúdio assinado por Albert Nguyên lemos afirmações fortes e decididas. Na justificativa do título e no desenvolvimento dos eixos argumentativos há uma decisão política em jogo, que é a de escrever os primeiros traços por onde transitará o debate que proximamente tornará a reunir nossa comunidade constituída de Fóruns e de Escola.
      A que nos convoca "A Psicanálise, fins e consequências"? Este é um tempo em que já é possível fazer uma série e avaliar os resultados da experiência de nossa Escola (o passe, o passador, o AE, o AME, os cartéis do passe, o pós-passe etc.).
     O entusiasmo, a que me referi no começo advém, parece-me, do fato de que encontrei uma ênfase ou um novo acento, algo da ordem de um dizer novo que convida ao debate e a reflexão. Debateremos os finais. Creio que os cartéis do passe são uma parte importante no funcionamento da Escola, tanto como elaboração e produção do que se pode extrair dos finais de análise na experiência do passe, como também fazendo dessa elaboração transmissão para a comunidade de Escola. Porém, para além disso, este III Encontro está centrado mais precisamente na abertura epistêmica e clínica que se produz na obra de Lacan a partir da década de setenta.
        O primeiro prelúdio nos indica- e nisso reside o acento- que a ênfase desta vez, está colocada no que se denomina "uma positivação do final de análise", quer dizer do que é esperado no final de análise como um resultado, uma satisfação do final como afeto positivo de conclusão. Lacan fala da satisfação que marca o final de análise. Retornaremos depois sobre esse ponto.
         Pergunto-me que efeito tem este acento da positivação final, sobre a oferta de tratamento que fazemos em psicanálise. O que ofertamos?
         "A oferta antecede o requerimento de uma urgência que não se tem a certeza de satisfazer, salvo ao havê-la avaliado".
         A oferta da psicanálise convive hoje com as características de nosso tempo. Para mencionar alguns aspectos, temos uma cultura em profunda crise de diferentes ordens: econômicas, de valores, de paradigmas, éticas, etc. Isto de fato não deveria ser um impedimento para o desenvolvimento do trabalho analítico, pelo contrário a psicanálise se desenvolveu e cresceu em tempos de crise, tempos que tensionam ao máximo as condições estruturais do mal estar que a cultura impõe aos sujeitos, tais como: a primeira pós-guerra para Freud e seus discípulos, a segunda guerra para a Escola Inglesa, a segunda pós-guerra e o exílio dos europeus nos EEUUU, fim dos anos 1960 na França e na Argentina, meu país, foi o início de uma época obscura de horror, que aconteceu simultaneamente à consolidação, o crescimento e o desenvolvimento da psicanálise local. Tema este que provocou não poucos debates intensos, acerca do papel das instituições analíticas e da análise mesmo nesses tempos negros. Penso que constituíram um refúgio.
     O que igualmente se caracteriza em nosso tempo é que assistimos a uma proliferação de ofertas de tratamento aos "mal-estares psíquicos", provenientes de campos e práticas discursivas muito diversas, alguns deles refratários à ética e ás intervenções analíticas. É para nós uma obrigação ética explorar as dimensões e razões da dita situação porque é preciso delimitar os alcances e a eficácia de nossa prática na cultura de nossos dias.
    O tema da oferta analítica me parece decisivo, além do mais porque na oferta sempre há alguma idéia implícita acerca de como se pensa o final de análise ainda que se a ignore. Melhor então não ignorá-la e poder avaliá-la melhor pelos resultados da experiência para poder precisar qual é nossa oferta como discurso da cultura.
     Parece-me então que na Escola o passe é a oferta mais contundente que podemos fazer como instituição analítica.
     Para Lacan a pergunta continua sendo; que pode impulsionar alguém,"sobretudo depois de uma análise a hystoricizar-se por si mesmo" e dar conta do surgimento do desejo de tomar posição surgido como fruto da dita experiência. Porém apontando claramente para um mais além do final pela via dos espelhismos da verdade mentirosa, isso "tem como fim apenas a satisfação que marca o final de análise", nos disse Lacan.
     Como nos diz o prelúdio, tratar-se-ia "de algo muito mais mobilizador que as negatividades da estrutura, a angústia de castração ou a religião do furo". Muda a ênfase na perda, ou em isso que sou e no que caio e podemos encontrar e esperar uma satisfação em termos de uma mutação pelo afeto.
       Este último, com certeza merecerá extensos desenvolvimentos, a satisfação e o estatuto do afeto deverão ser examinados. De que satisfação se trata? Sabemos a conexão que este último termo tem com a pulsão, a satisfação é a meta da pulsão, e as pulsões "são o eco no corpo pelo fato de que há um dizer". E quanto a ideia da mutação pelo afeto, em que lugar estrutural vem o afeto, evidentemente não é o afeto da angústia como signo do real, como tampão, como defesa. É complexa uma frase de Lacan do Prefácio, na qual diz:
"a falta da falta constitui o real, que só sai assim, como tampão. Tampão que é sustentado pelo termo impossível, do qual o pouco que sabemos, em matéria de real, mostra a antinomia com qualquer verossimilhança ".
Penso que o verossímil supõe a cena, a fantasia, a verdade mentirosa, há um Real ali em jogo. Porém é esse outro Real antinômico a toda verossimilhança o que ressoa como afeto de satisfação do final?
        Para concluir, queria recordar uma conferência dada à imprensa em Roma, antes do VII Congresso da EFP, na qual Lacan interveio com A Terceira. Corria o ano 1974, tempo em que claramente Lacan interrogava a função do Real na clínica e dois anos antes do texto do Prefácio à edição inglesa do Seminário 11. Impulsionados pelas observações de Colette Soler encontramos aqui o segundo modelo de Passe proposto por Lacan e ao qual nos referimos neste texto.
       Nesta conferência dada à imprensa, Lacan responde com genialidade e agudeza às perguntas de seus interlocutores. Entre outras coisas tenta mostrar o tratamento que a religião e a ciência dão ao Real em suas diferenças com o Real que se alcança na experiência analítica. Não é otimista a respeito do futuro da psicanálise, especialmente pela possibilidade de sua transformação em uma religião no sentido de que esta não se cansa de segregar sentido, e afirma que não acredita que isso seja o viés de seu ensino. "Se a religião triunfa será o signo de que a psicanálise terá fracassado". Da ciência disse que "sua posição é totalmente impossível, porém ocorre que ela não tem a menor idéia disso".
E conclui "o analista por sua parte é algo muito diferente. Está em uma espécie de momento de mutação. Durante um breve instante nós pudemos dar conta do que era a intrusão do real. O analista permanece aí. Está aí como um sintoma e não pode durar mais que a título de sintoma". Só a força de afogá-lo no sentido religioso que se poderá reprimir esse sintoma.
     É interessante colocar estas reflexões de 1974 em conexão com as de 1976 do Prefácio, onde Lacan - reconhecendo necessariamente o fato de que a psicanálise mudou desde sua fundação por Freud - faz uma afirmação que vem nos ocupando - acerca do novo estatuto que se abre do inconsciente, diferente do real do inconsciente, que é o "inconsciente real". Isto também fará parte de nossos debates e não deixa de ser emocionante.
                                                                                    Julho de 2011
Tradução de Elisabeth da Rocha Miranda
Bibliografia:
J. Lacan, 1974, Actas de la Escuela Freudiana de París, VII Congreso de Roma, Conferencia de prensa, Ed. Petriel
J. Lacan, 1975/6 El Seminario, Seminario 23, El Sinthome, Ed. Paidós
J. Lacan 1976, Intervenciones y textos 2, Prefacio a la edición inglesa del Seminario XI, Ed. Manantial

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