segunda-feira, 28 de novembro de 2011

VII Encontro Internacional da IF-EPFCL - Prelúdio 2



VII Encontro da IF-EPFCL
O QUE RESPONDE O PSICANALISTA? ÉTICA E CLÍNICA.
6 - 9 de julho de 2012

PRELÚDIO 2:
SE FAZER NO REAL, CLÍNICA E ÉTICA.
Carmen Gallano

Clínica e ética, se definem com Lacan em uma relação com o real. A clínica é o que chega ao analista a partir de seu encontro com o paciente: o real como o impossível de suportar para esse sujeito. Quanto à Ética, Lacan assinala desde a primeira lição de seu Seminário "A Ética da Psicanálise": "A questão ética, pelo quanto a posição de Freud nos faz progredir nisso, articula-se numa orientação do homem em relação com o real".
Na prática, a primeira resposta do analista, com seu dizer e seu fazer dizer ao sujeito, aponta para que o real se inclua em um sintoma analisável: um nó de sentido gozado nesses significantes que no inconsciente do sujeito portam um gozo fora do sentido.
Só assim, quando o gozo desprazeroso do sintoma traz consigo o enigma do sentido, o real da clínica abre caminho para a experiência do inconsciente. Pois a emergência da pergunta no sujeito sobre "o que quer dizer este mal-estar?" o impulsionará a querer decifrá-lo nos significantes de sua história, aqueles que o determinaram no Outro e para o Outro.
Vemos então que tanto a Clínica psicanalítica, a do sintoma, como a Ética, a do psicanalista, conectam o real com um dizer. São dois dizeres heterogêneos.
O dizer do analisante que entra na experiência do inconsciente na transferência se dirige a uma busca de sentido que pudesse resolver o “ser de verdade” do sintoma em um saber. E o que descobrirá é a significação de uma repetição, que não esgota nenhum sentido, na qual o real se manifestará como encontro falho, até que se desvele como motor. Quando cai a crença nos efeitos de sentido e o sentido gozado na elucubração analisante, se joga para ele sua ética, nesse encontro com o real, e se está disposto a renunciar à sustentação de seu fantasma, que se tornou fonte de nefasta repetição e inoperante para encobrir a radical falta do Outro.
Nos cartéis do Passe assistimos às vezes a testemunhos de analisantes em duas vertentes: uns continuam degustando a proliferação de sentido com as formações do inconsciente, deixando fora da análise algumas emergências do real em passagens ao ato e acting-outs, que como de soslaio aparecem nos avatares de sua história relatada, e outros situaram, não sem horror de saber, o objeto a de sua fantasia de desejo, posto no analista, olhar ou voz, que então cai como depositário do Sujeito suposto Saber, e o objeto de gozo pulsional que se fazem ser em sua fantasia neurótica, oral ou anal, com as conseqüentes servidões na relação com o Outro para mantê-lo sem falta.
Outros, ainda, e que têm mérito, testemunham do real com o qual se confrontam em sua psicose, e suas respostas subjetivas frente a esse real, às vezes com resultados surpreendentes de invenção sintomática, outras com uma certeza que deriva em convicção delirante inquestionável.
Alguns se detém aí e outros não, pois alguns testemunham desse passo pelo real que, trransformando-o de traumático em causa de um desejo de saber, surpreendem o cartel com o modo singular pelo qual um sujeito se satisfaz do fora de sentido de seu gozo e da relatividade de uma verdade de seu saber de sujeito, com o que não se ocupará mais dela, para orientar-se nas marcas próprias de sua lalingua.
É o que promoveu Gracián – e lhe custou a prisão pelas autoridades religiosas – de quem Lacan tomou a ética do “bem dizer”. Disse sobre a verdade, que esta sempre “estará de parto” e nunca terá nascido completamente em uma ética do “bem dizer”, a do “discreto”. Nessa época, um bom autor de teatro do “Século de Ouro”, Ruiz de Alarcón, encenou com genialidade os difíceis caminhos de “A verdade mentirosa”, obra que não acredito que Lacan tenha lido, pois nesse caso, a teria citado. E outro espanhol, não menos lúcido, o melancólico Goya, ilustrou, em século posterior, quantos “sonhos da razão” engendram monstros ao pretender fazer das verdades, saber.
Os monstros, como sabemos, são as figuras da fantasia, os modos nos quais alguém “se sente ser” objeto do gozo do Outro, e nos quais se faz horrendo o gozo do Outro. O modo no qual essas figurações deixam margem ao dizer do analista, para que o analisante não fique nessas imaginarizações do real de sua posição de objeto de gozo ou o de seus traumáticos parceirosé um assunto crucial para o desejo do analista. Esse desejo do analista se expressará em seu dizer e em seus atos, orientados a tirar o analisante desse impasse.
Prestemos atenção ao que diz Lacan em seu Seminário Problemas cruciais da psicanálise: “Nenhum desenlace é possível no enigma de meu desejo sem essa passagem pelo objeto a. Escutei em uma de minhas análises, faz pouco tempo, utilizar o termo, a propósito de alguém cuja análise não parece ter-lhe servido muito, por suas qualidades pessoais. Ocorrem então – dizia meu analisado – ‘abortos analíticos’. Me agradou bastante essa fórmula. Eu não a havia inventado. De fato; existe um giro da análise, onde o sujeito permanece perigosamente suspenso nesse feito de reencontrar sua verdade no objeto a. Pode manter-se aí, e isso se vê”1.
É nesse momento crucial no qual o sujeito padece de reduzir sua verdade ao objeto a que se faz ser em sua fantasia, que se joga verdadeiramente a ética do desejo do analista, quando já cabem apenas escassas interpretações significantes, por mais que sabidas, que acentuem as marcas do dizer do Outro nas quais o sujeito se fixou. E como nesses momentos cruciais, nos quais ocorre o final de uma análise e o destino do desejo e do gozo de um analisante, opera ou não com incidência na posição do sujeito, seu analista? Seria apenas assunto de uma “qualidade pessoal” ou de como incide nela o analista?
Pouco se pode avaliar da resposta do analista nesses momentos cruciais pela via dos testemunhos do Passe, eu o comprovei ao longo de 12 passes recolhidos nos cartéis em que estive até agora: o falho do passe a analista fica do lado do passante, por lógica, exceto em casos flagrantes de mal proceder do analista dos quais testemunha, eventualmente, o passante.
Por isso, a questão que quero abordar neste Prelúdio para nosso Encontro no Rio, é a que é mais difícil de examinar e sobre a qual careço de resposta: de que modo o dizer do analista, que parte de sua relação com o real do inconsciente, com um real que não é o da Clínica, pode incidir nos diversos avatares em que o analisante padece do real de um gozo que não entra em seu desejo e incidir em benefício da satisfação subjetiva desse analisante.
Na lição do Seminário citado, Lacan diz: “o real é o que não pode não ser”. Definição que não resolve a especificidade do real que explode na crise atual do capitalismo tardio e que gera “impossíveis de suportar” para massas crescentes de população, tremendos sintomas sociais, mas Lacan, depois, esclareceu muito bem, em “A Terceira”, a diferença do real que atravessa o discurso do mestre e o real do sintoma de um sujeito, no qual atua o seu inconsciente particular.
E cabe a cada analista não deixar nunca de interrogar-se sobre o que o faz analista: esse peculiar e incalculado dizer que tece suas respostas em relação com o real que de tão diversos modos se apresenta em seus pacientes.

Madrid, 4 de setembro de 2011.
Tradução de Maria Luiza Sant‛Ana
1 Lição de 16 de junho de 1965. Seminario não publicado.


Nenhum comentário: