Prelúdio 5 - Amor, sublimação do desejo
Alba Abreu
Não haveria o amor se não houvesse cultura. Lacan afirma que o “amor está feito da idealização do desejo” e “o desejo é coisa mercantil”[18]; isso equivale dizer que, inventado pelo mercado, o que chamamos amor era até então desconhecido pela Antiguidade pagã, para a Idade Média e o Oriente, embora os cruzados tenham tentado implantar essa necessidade amorosa - dita cristã. Sabemos que o amor como conhecemos e difundimos na literatura foi uma criação dos trovadores provençais como já apreciei anteriormente[19].
O desejo intervém no amor e é seu pivô essencial: “no caminho de meu desejo, o Outro quer minha angústia” e, portanto, já que o desejo não diz respeito ao objeto amado, Lacan assegura nesse seminário que “o amor é a sublimação do desejo” no sentido em que colocar-se em posição de desejante é também assentar-se na posição de falta e buscar a completude. Consequentemente, afiança que “o amor (sublimação) é o que permite ao gozo condescender ao desejo” certamente porque se trata de um modo de esconder o que causa o desejo, evitando a angústia.
Dois filmes retratam a tese lacaniana sobre o amor, embora de modos distintos:
AMOR: sobre o casal Anne e George, cúmplices, delicados, desfrutando a vida e o amor mútuo, lentamente o espectador é convidado a descortinar o Thanatos de seu complemento Eros. Anne e George que não se enxergam separados, a partir da estranheza da doença, a angústia assola e o casal se isola do mundo num êxtase de dor e sussurros ainda ditos como que para preservar o espaço do psíquico.
O AMOR É UM CRIME PERFEITO: numa atmosfera fria e futurista encontramos o equilíbrio perfeito entre um cenário espetacular e a estranheza perversa do seu protagonista. Jogos sedução e dominação que angustiam o espectador, que numa trama bem urdida, apesar de causar um sentimento de ambiente acolhedor aproxima-se gradualmente da bestialidade e da loucura. O filme aborda, sem escrúpulos, temas rejeitados e varridos para baixo do tapete da violência intrafamiliar. A história de amor inesperado que se desenvolve gradualmente entreAmalric e Maïwenn é incrivelmente hipnotizante, porque, como quase toda a história de amor está fadada ao fracasso.
O que o Outro quer de mim? O desejo do Outro é esse nome que Lacan usa para o excesso econômico – aonde o Unheimlich vem representar o fenômeno da angústia (estranho familiar, diria Freud). Isso que o analista aprende nos livros, nas leituras e nos filmes denota esse lugar de desassossego da posição analítica e por isso mesmo fazemos encontros para cada vez mais nos aproximarmos da condição humana e perceber o sentido de nossa prática.
Prelúdio 6 - A intrusão da diferença
Luis Izcovitch
Será que a psicanálise pode nos dizer algo de novo sobre o amor e o sexo que não seja apenas dar-lhe a forma de um conceito? A reposta é sim, mas é preciso justificá-la.
Há certamente o que a teoria analítica nos ensina sobre o inconsciente e, portanto, sobre as relações do sujeito com o amor e o sexo. Uma tese pode ser depreendida, ela é constante de Freud a Lacan e poderia ser resumida assim: o inconsciente, isso nos impulsiona para o mesmo. Do ponto de vista histórico, houve diferentes formas: a philia na Grécia, o amor cortês como obstáculo regrado no que tange ao impossível da relação sexual, até mesmo a ideia de Freud do amor sexual como a base da nosso civilização. Lacan chega a forjar uma ética, a do Horsexe , Extrassexo, isto é, quando l’âme âme l’âme, a alma almeja a alma. Em outros termos, amamos no outro o que é semelhante à nossa alma, ou seja, nós mesmos.
O mesmo acontece com o sexo: a foraclusão da diferença sexual no inconsciente impulsiona o sujeito para o encontro do mesmo. Quer ele seja homo ou hetero, não há diferença quanto a isso. Pois é bem possível estar no registro hetero e recusar a alteridade no gozo. Do mesmo modo, como Lacan o formulava, pode-se ser uma mulher e estar “âmoureuse”, almorosa, o que ele escrevia com acento circunflexo sobre o a, para mostrar que ela ama a alma do outro, o que a torna hommosexuelle[20], humanossexual. É o empuxo-ao-homem na histeria, o que significa que ela ama, mas, rejeitando a diferença sexual, ela faz objeção ao ser Outro do homem.
Então, se afirmamos que a psicanálise pode dizer algo de novo, é no sentido em que uma experiência de análise não se limita a constatar a relação do sujeito com o inconsciente, mas visa a uma mudança. É certo que se opera uma mudança como efeito da radicalização da falta. Se o amor é dar o que não se tem, mais ela o coloca na posição de amar, portanto, na de induzir um novo nó entre o amor e o sexo.
Contudo, mais fundamentalmente ainda, é preciso explorar uma das teses conclusivas do seminário Encore, (Mais, ainda). Lacan se refere ao reconhecimento entre dois seres, portanto, ao modo como dois seres se escolhem: “Esse reconhecimento não é outra cosia senão a maneira pela qual a relação dita sexual – tornada aí relação de sujeito a sujeito, sujeito no que ele é apenas efeito do saber inconsciente – para de não se escrever.”[21] Com efeito, se Lacan se serve do verbo devenir (tornar-se, vir a ser), é para mostrar que entre a constatação da relação sexual como impossível e o que “cessa de não”, ou seja, a contingência, há uma travessia. A travessia não é apenas a constatação, é aquilo que abre para uma relação “do ser com o ser”, ou seja, uma relação que implica a alteridade do outro.
É este o efeito de uma experiência, a de uma análise, única experiência capaz de produzir a passagem do mesmo à diferença. Eis o que há de inédito no fim, inédito no nível dos afetos e que não supõe necessariamente um novo parceiro.
Neste sentido, uma análise é uma experiência cuja mola é o amor, mas com uma finalidade precisa: retirar o sujeito do mesmo. Façamos os votos de que as Jornadas de Campo Grande no Brasil possam contribuir para demonstrar o que pode mudar para um sujeito, quando ele coloca o amor e o sexo no em-jogo da transferência.
Tradução: Vera Pollo
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