segunda-feira, 18 de julho de 2011

Brevidades sobre o sintoma

            Ética e saber na clinica da psicanálise coexistem, na clinica psicanalítica, numa lógica möebiana.  No seminário de 1971, a propósito do saber na psicanálise, Lacan diz que a questão crucial em que o discurso psicanalitico subverte o discurso universitário passa pelo fato de que o "saber" -   - está colocado no lugar de semblante, enquanto que, no discurso analítico, esse lugar é vazio, representado pela letra "a". Ou seja, presença do analista implica uma ausência de  no lugar do semblante.
            Por outro lado o que a psicanálise nos ensina é que esse saber que se tece sobre o divã não revela toda a verdade, pois como Lacan há muito  o disse, a verdade é não-toda. Dela, um restoinapreensível pelo simbólico, insiste. Resto que mais tarde o sujeito tem que saber se haver com ele por outras vias, num mais-além da linguagem. À linguagem falta um significante que a impede de dizer tudo. Esse furo na linguagem, leva Lacan a afirmar que "a verdade não pode ser toda dita". E assim, a clinica psicanalíticapelo efeito puro e simples da linguagem,  é uma clinica de meia-verdade. E no que concerne à construção dessa verdade claudicante, me interrogo se o desejo do sujeito é passível de interpretação, pois tudo leva a crer que o sintoma do sujeito é quem de fato e de direito o interpreta.
            Passemos então, a discorrer brevemente sobre os caminhos trilhados pela teoria do sintomaem Lacan.  No inicio de seu ensino, o sintoma era metáfora, enigmaque uma vez desvendado, tinha efeito de verdadeEm "Função e campo da fala e da linguagem"embora ele diga, literalmenteque, "está perfeitamente claro que o sintomapor ser pleno de sentido, e se resolve por inteiro numa análise",  faz notar a coexistência, no sintoma, do simbólico e do real: "o sintoma é símbolo inscrito na areia da carne e no véu de Maia". sintoma enquanto símbolo "inscrito" pertence ao campo do simbólico, mas "escrito" sob o véu de Maianão estaria também no campo do real? A titulo de esclarecimento, a expressão "Véu de Maia", é usada pelos orientais para dizer que “ver algo sob o véu de Maia faz também existir o que não existe", tamponando assim, a incompletude tão angustiante para o sujeitoSem elesem o véu de Maia, constata-se rapidamente o “nada”. Em RSI Lacan confirma isso ao afirmar que  estava na idéia do “Discurso de Roma” que o inconsciente ex-sisteque ele condiciona o Real.
partir do inicio da década de 1970 Lacan se afasta do pensamento estruturalista, onde o simbólico detinha primazia nas estruturas clinicas, para trabalhar com a perspectiva de uma equivalência entre os três registros, e a estrutura do sujeito passa a ser determinadapela forma de enlaçamento do simbólico, do imaginário e do real: RSI, SIR, IRS.
"O Realeu inventei", diz Lacan. "E eu o escrevo sob a forma do nó borromeano, que não é um nó, mas uma cadeia. "Quando ele distingue "cadeia" de "nó"ele quer dizer que a estrutura do sujeito é um encadeamento dos três registros, retirando a prevalência de um sobre o outro. A qualidade de ser uma verdadeira cadeia borromeana é o fato de RSI serem enodados,  pelo Nome-do-Pai. Para manter a consistência do Nome-do-Pai nessa nova forma de escrever a estrutura do sujeito ele cria um quarto elemento na escrita do  para ali situá-lo, e dá-lhe o nome de Sinthoma (th). 
Ao introduzir a teoria dos nós na segunda parte do seu ensino, o "discurso" cede lugar à escritaEnquanto no primeiro se privilegiava a produção de sentido, na escrita o que prevalece é o sem-sentido.  Isso traz mudanças cruciais no manejo da transferência, pois Lacan alerta que “o efeito de sentido a se exigir do discurso analítico não é imaginárionão é também simbólico; é preciso que seja real”. A assertiva anterior de que o simbólico faz furo no real, sofre uma torsão e agora, é o real que faz furo no simbólico. Há um gozo no significante irredutível à significação. Na clinica, não se trata mais apenas de escuta,  mas do que se " no que se escuta".
teoria dos nós constitui a ultima elaboração de Lacan sobre o sintoma, chegando à escrita do inconsciente por meio da cadeia borromeana. Nela sinthome surge como o quarto elementoque ao enlaçar os três registros - agora equivalentes entre si – produz uma cadeia bo, e como nos lembra Lacan, “se há equivalêncianão há relação”. À falta de relação sexual, o sujeito responde com o sinthome: Cito:  “ Sinthoma é a resposta que o sujeito encontra frente ao gozo da falta de relação sexual”.

Graça Soares
(Membro do FCL-Fortaleza e da EPFCL)
Fortalezajulho de 2011.

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