terça-feira, 26 de junho de 2012

VII Encontro IF-EPFCL - Prelúdio 12

VII Encontro da IF-EPFCL
O QUE RESPONDE O PSICANALISTA? ÉTICA E CLÍNICA
6 – 8 Julho de 2012

Prelúdio 12: QUANDO A PSICANÁLISE PODE RESPONDER

Florencia FARÍAS

Neste Prelúdio decidi compartilhar algumas reflexões a respeito da situação da psicanálise e dos psicanalistas em meu país: a Argentina,  porque o tema me parece muito próximo com aquele ao qual o próximo Encontro Internacional no Rio nos convoca: a resposta do analista,  quando e a de onde deve responder.
            A psicanálise, por ser mais um elemento da trama socio-cultural, não está isenta dos efeitos subjetivos da época. E é sua responsabilidade poder responder no tempo e na época na qual está imersa. É uma incumbência ética nos perguntar pela incidência que nela promovem os reais do nosso tempo, nos quais a dimensão dos gozos tendem a se igualar, enquanto a função paterna instauradora da legalidade tende a se diluir, obrigando-nos a pensar na legitimidade sobre a qual se funda o ato analítico  no contexto da atualidade.
            Interrogar Freud, Lacan, a partir dos problemas que nossa prática suscita, é o que devemos para re-criar e relançar a psicanálise.
            Sabemos que a psicanálise vai na contramão do discurso capitalista dominante, da globalização, que arrazam as singularidades. As condições atuais propiciam a detonação da subjetividade, a expulsão da condição de sujeito.
            No entanto, na Argentina, diferentemente do que nos transmitem colegas de outros países, especialmente da Europa, a psicanálise tem cada vez mais lugar e reconhecimento. Logrou persistir e se impor, apesar das crises políticas e econômicas que nosso país sofreu em diferentes épocas e contextos. Parece-me interessante que nosso próximo Encontro conta com um espaço para podermos refletir sobre a situação da psicanálise em cada uma das zonas de nossa comunidade.
            Em Buenos Aires, a classe média se psicanaliza, e quase sem exceção, os intelectuais também. E isso se estende para muitos lugares da Argentina, até os mais distantes.
            É tão numerosa a demanda, que é usual falar da própria análise e do próprio psicanalista, nos mais diferentes âmbitos sociais. Analisar-se aqui, não é sinônimo de loucura, mas uma busca de querer aliviar sofrimentos, uma busca por novos saberes.
            Será então que na Argentina há mais neurose do que em outros países? Ou será que a oferta da psicanálise possibilita a muitos lê-la, levando à formulação da demanda e à consulta possível? Talvez deveríamos fazer um estudo aprofundado das variadas causas que tornaram possível sua permanência e difusão? Será que é assim também nos outros países da América Latina? E no Brasil, a psicanálise também tem tal alcance, vindo a possibilitar as análises?
            Na Argentina, atualmente, qualquer setor da população, mesmo os mais carentes, tem a possibilidade de se encontrar com um analista e decidir fazer um tratamento analítico tanto em hospitais públicos, centros de saúde mental, onde poderão ter acesso a tratamentos gratuitos, ou em instituições privadas, nas quais terão a possibilidade de fazer tratamentos por um preço accessível, ou ainda no caso das patologias mais severas,  em centros psiquiátricos monovalentes[1].
            Além disso, nosso país conta com obras sociais e assistência de saúde pré-paga, nos quais trabalham praticantes da psianálise e, por que não?, analistas, aos quais grande parte da população tem acesso.
            Não podemos desconhecer que nos hospitais a psicanálise opera, que a transferência produz eficácia, aliviando sofrimentos, tanto em neuróticos quanto em psicóticos.
            E está mais próxima a proposta de lançada por Freud em 1919, no texto “Linhas de Progresso na Terapia Psicanalítica”:
É muito provável, também, que aplicação em larga escala da nossa terapia nos force a fundir o ouro puro da análise livre com o cobre da sugestão direta; e também a influencia hipnótica poderá ter novamente seu lugar na análise, como o tem no tratamento das neuroses de guerra. No entanto, qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo possa assumir, quaisquer que sejam os elementos dos quais se componham, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita e não tendenciosa[2].

            Desde o início Freud se preocupou em conseguir com que sua invenção, a psicanálise, não desaparecesse com o passar dos anos e pudesse atravessar o século XX. As instituições psicanalíticas que existem são a prova de como a ambição e o desejo de Freud se viram realizados. Apesar dos obstáculos – gratuidade dos tratamentos, o tema do tempo curto –, o analista opera. Como conservar a ética que nos diz respeito? o que fazer? Pensamos que, ao estarmos advertidos, calcular e pensar até onde podemos tensionar e torcer os conceitos fundamentais sem tornar a psicanálise bastarda, nos permitirá avançar em situações que não são as ideais, mas as possíveis. Se estas condições não criam um analista, tampouco excluem a possibilidade de ele incidir e operar precisamente no desenlace dos gozos, em função de sua presença no real.
            Vale ainda uma prática que se centra na ética centrada no ato. Amarrado a uma ética, nos dá a liberdade para intervenções que também nos reclama.
            Hoje, o movimento, especialmente lacaniano, existe e está vivo, não somente nas instituições psicanalíticas, mas também nas universidades. Estas o protagonizam, particularmente através da faculdade de psicologia da Universidade de Buenos Aires, que conta com um corpo de professores com sólida formação psicanalítica, com disciplinas de orientação essencialmente lacaniana, de forma que em grande quantidade os egressos desejam continuar se formando na dita orientação. Além disso, é notável a difusão da psicanálise que se amplia para todo âmbito socio-cultural. Hoje em dia é difícil abrir um suplemento cultural de um dos grandes jornais argentinos, ou de revistas, e não encontrar um artigo que faça referência a Freud e Lacan ou algum tema “psi”.
            O movimento dominante nestes anos, nos quais se difundiu o lacanismo, é de abertura ao diálogo, à interrogação e ao se deixar interrogar pelas mais diferentes produções artísticas e científicas. É habitual o diálogo e o debate entre analistas, cineastas, gente de teatro, escritores, pintores, humoristas. Pesquisadores também propiciaram esse diálogo, sobretudo filósofos, matemáticos, linguistas, e é de ressaltar o avanço que a pesquisa em psicanálise teve nestes últimos anos, não apenas teórica, mas também articulada com a clínica, ganhando cada vez mais terreno em um contexto antes exclusivo às ciências duras.
            Além disso, existe uma oferta superabundande de escolas de formação psicanalítica, cursos, oficinas, conferências. Isso gerou tanto uma vasta setorização dos agrupamentos, quanto uma superabundância de grupos e Escolas, dentre as quais nomeio algumas:

1-      As instituições afiliadas à IPA, nas quais – apesar de nelas ainda primar a burocratização e de nelas conviverem diferentes referenciais teóricos –, se verifica um grande avanço do lacanismo, vedado até umas duas décadas atrás, sem, evidentemente, a consideração pelo passe;
2-      As instituições que, com grande verticalismo, respondem ao millerismo. A EOL ainda agrupa muitos membros e, apesar das insatisfações que se escutam, parece que é um lugar de proteção diícil de perder;
3-      Aquelas que, sem buscarem um burocratismo nem um verticalismo, se agrupam em torno da Reunião Latinoamericana de Psicanálise, cada uma mantendo sua própria diversidade. Nestas falta, no entanto, um vínculo com um movimento internacional e algumas instituições que a constituem não praticam o passe.
4-      Um número importante de analistas não integra nenhuma instituição e cirucula entre elas, inseridos em hospitais ou se agrupam para publicações.

            Para sustentar uma psicanálise viva é preciso as instituições psicanalíticas, mas também é preciso renunciar aos dogmas e aos discursos consistentes. Depende de nós que a psicanálise seja uma ferramenta crítica, tanto de seus próprios dogmas, como daquelas teorias científicas que resistem atualmente ao desenvolvimento dela.
            Assim como a psicanálise em intensão depende do funcionamento do dispositivo e da associação livre, quando a única garantia é a leitura literal do que se diz, na psicanálise em extensão, a responsabilidade do analista é oferecer sua leitura dos fatos, sabendo que não pode calcular o êxito de sua proposta.
Embora não toda divulgação da psicanálise é conveniente, é necessário que o psicanalista saiba ler à letra o que dita divulgação gera, rompendo, desse modo, com a ilusão de reservar a psicanálise somente para pequenos círculos de expertos.
            O desejo do analista faz funcionar os dispositivos em intensão e em extensão.
            É certo que o sujeito de nosso tempo não se apresenta com o que poderíamos chamar uma versão clássica da neurose. Não chega interrogando-se sobre seu sintoma ou sobre a causa de seu sofrimento.
            Esse tipo de indiscriminação entre o desgoverno dos gozos e a lei do desejo dá lugar às mais variadas manifestações clínicas antes confinadas aos hospitais públicos, mas agora também presentes em nossos consultórios.
            Como psicanalistas não devemos retroceder. Isso implicaria em deixar o caminho livre para o avanço das terapias alternativas que respondem em consonância com o mandamento atual: eficiência, resultados a curto prazo, apesar de a arma ser a sugestão, fazendo com que os sintomas possam retornar com mais força, ou a neurofarmacologia cuja resposta para o cansaço, a depressão, a apatia, a impotência, são os antidepressivos, o viagra etc, ou seja, diferentemente da psicanálise, propõe um objeto adequado. Um mundo de “felicidade química”. Ou então, implicaria em se deixar cada vez mais livre o caminho para a religião, o ocultismo, as soluções mágicas.
            A psicanálise conta com poderosos recursos para subvereter o determinismo alienante.  Corremos o risco de não saber oferecer nossa escuta aos casos clínicos que escapam a nossas fórmulas clássicas. Ela tem os meios para incidir sobre a modalidade do discurso que aprisiona o sujeito, para restituir a este sua dimensão ética, e é sua responsabilidade “não se acomodar na sua poltrona” e poder responder.
            Será com nossa presença nos hospitais, centros assistenciais, obras sociais, universidades, e desenvolvendo políticas de atenção aos novos quadros mesmo quando estes não se dirigem a nós em nossa lingua herdada. A resposta do analista – e sua forma de incidir no mal-estar na cultura –, não se dá a partir de uma leitura sociológica e sim, clínica e ética. É um exercício, a partir de seu ato, fazendo prevalecer a linguagem como operador a modificar e ordenar o real.

Buenos Aires, abril 2011.
Tradução de Sonia Alberti e Revisão de Sandra Berta.

[1] Na Argentina, hospital monovalente é aquele que se dedica à atenção de somente uma especialidade médica, neste caso: a psiquiatria.
[2] Freud, S. (1919 [1918) Linhas de Progresso na Terapia Psicanalítica. In:Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Tradução J. Salomão. v. XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 181.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

VII ENCONTRO IF-EPFCL - Prelúdio 11












VII Encontro da IF-EPFCL
O QUE RESPONDE O PSICANALISTA? ÉTICA E CLÍNICA
6 – 8 Julho de 2012

PRELÚDIO 11:   A RESPOSTA NÃO TODA DO ANALISTA
Susy ROIZIN

O que responde o psicanalista? Responde… "Olá!...” “Boa tarde”... “Bom dia”…, conforme a hora, conforme o lugar. O analista responde a uma chamada no celular, uma mensagem de texto, um email, ou uma rede social pela internet… em fim, ele não é alheio às vicissitudes de seu tempo. A era das comunicações e as vertiginosas inovações tecnológicas não deixam indiferente a nossa prática, que adota hoje estilos que nem Freud nem Lacan poderiam imaginar. O analista, como todos, está imerso no discurso circulante, tesouro vivo de significantes: palavras, frases, mitos, crenças e chistes, que nascem e morre como as células de todo corpo vivo.
            O analista compartilha o Código da Linguagem, ainda que não sem uma particular sensibilidade aos fenômenos da linguagem, desenvolvida durante sua formação e sua própria análise. Assim que comprovar que a análise é possível, o uso que o analista fará da linguagem será diferente. A relação do começo, a serviço da comunicação, o acordo, o encontro, se transformará em uma relação assimétrica, na qual só um sujeito conta. Lacan dizia [1] que o analista paga com a sua pessoa para atingir os objetivos da análise. Em seguida situa o analista na posição de objeto, causa do desejo e condição para o surgimento do inconsciente que a rigor, é chamado a criar-se, a inventar-se, durante a análise. Lacan propõe o “futuro anterior”, para indicar que o sujeito do inconsciente deverá advir em um momento futuro, mas se localizará na estrutura como tendo estado desde o principio. Este tempo lógico, retroativo, indica no Grafo do Desejo que o sujeito é o resultado de um complexo percurso que representa o encontro do vivente com o simbólico. [2] Este movimento re-acontece a cada vez que em uma análise se produz um efeito-sujeito, enquanto transcorrem as repetidas voltas dos ditos (E-tour-dit).  A cronologia não é a do sentido comum e o movimento vai no sentido contrário ao da intuição.
            Os tempos verbais, a matemática, a lógica, a topologia… Lacan utiliza diferentes recursos para ilustrar o que a primeira vista pareceria um encontro impossível: Como pode analista responder a um sujeito que não é o que vai para a consulta, mas que só posteriormente advirá? Como responder a um sujeito que é só um “efeito”, que não é agente de uma verbalização, mas sim uma dedução?  E como pode responder um objeto? Como é possível responder desde uma posição de objeto?
            Em sua posição de objeto a, agente do discurso analítico, o analista custodia o vazio no Outro e se coloca como um stent vascular que evita o obturamento da falta e garante a circulação do desejo do analisante. Sua resposta estará sempre orientada pela função que Lacan chamou Desejo do analista que vai contra a identificação e em direção ao objeto da pulsão e ao desejo do sujeito. O analista pode fazer muitas coisas com o material associativo do analisante. Uma pontuação, uma citação, uma pergunta, uma alusão enigmática, um corte, um silencio. São diferentes modalidades de interpretação, que é a autentica resposta do analista. É apofântica, ou seja, vai mais além do sentido. ’Não é uma hermenêutica, mas sim um ato que permite que se desprendam os significantes apresados no sintoma. Trata-se de uma “não toda resposta” que não obstaculiza a possibilidade de que seja o analisante quem diga algo realmente novo e que a dimensão do “dizer não fique esquecida no que se diz”. [3] Para isso, deve-se conservar a falta no Outro, e por isso o analista se ocupará de que sua resposta nunca seja completa ou pretenda completar essa falta. Garantida esta condição, a pesar da aparente comedia de desencontros, poderá produzir-se um encontro que na realidade não é um encontro de dois, mas sim uma continuidade moebiana.
            A “não toda resposta" do analista deixa um espaço por fora do que se enoda neste particular laço social e assim, faz ex-sistir o conjunto vazio, o transfinito de Cantor, a incompletude de Godel, o elemento paradoxal de Russell [4] etc., os diferentes recursos que usou Lacan para representar um vazio demarcado, que é o lugar do objeto, a pulsão e o gozo. Não é um infinito ilimitado, o vazio que se desenha em cada volta da cadeia dos ditos se unirá ao lugar da falta que fielmente custodia o analista e que permitirá a experiência do real na análise. Poderíamos cunhar um matema ““ (Resposta Barrada), como moeda de circulação interna para o VII Encontro no Brasil, que de conta da Resposta não-toda, que torna possível uma análise.
            A partir da separação, des-alienante, des-identificante surgirá a resposta mais valiosa em uma análise: a que o próprio falasser dará ante a falta no Outro, desde sua singularidade de gozo. [5]
            O analista e o analisante, são como “parceiros que jogam como as asas de uma tela giratória e como a transferência é o pivô dessa alternância” [6]
            Envio aqui um link que permite ver em um espaço tridimensional, em movimento, a topologia da garrafa de Klein que nos mostra as voltas do dizer envolvendo um vazio e a localização deste sem limite algum entre um interior e um exterior.

“Se pode entrar em seu interior como em um moinho. Seu interior se comunica integralmente com seu exterior... o microcosmo não está feito de uma parte virada do avesso do mundo, como vira se vira a pele de um coelho. É verdadeiramente um fora, que se confronta com o dentro do cosmo” [7].

Clínica e ética
            Não há clínica sem ética e não há ética relevante para a psicanálise a não ser em relação com a clínica. Lacan não deixou de enfatizar a importância de ambas, em suas apresentações de caso em St. Anne, em seus seminários, seus escritos e também em suas ironias e críticas aos analistas e as práticas que se distanciavam delas. Entretanto pode haver certa tensão entre ambas, não só uma questão de gravitações diferentes. É um desafio afrontar esta pergunta que nos coloca frente à necessidade de precisar as diferenças.
            KLINICOS, em grego, designava aquele que visitava o enfermo que estava acamado (é um derivado de KLINE, cama). Durante longos períodos da historia o médico tinha como função principal a de ajudar os enfermos de acordo com as pautas estabelecidas em cada cultura. Inicialmente a função do médico não era necessariamente a cura, os rituais estipulavam a forma de conjurar os enfermos e às vezes a clínica consistia somente em ajudá-los a morrer. No Peloponeso se descobriram as ruínas do Epidauro e o  Santuário de Asclépioum antigo centro terapêutico, que incluía um teatro, salas de exercícios físicos e um recinto chamado enkoimeterion no qual os enfermos se deitavam durante vários dias e dormiam. Durante o sono, assim eles acreditavam recebiam a orientação dos deuses que lhes davam as chaves para o tratamento. Curiosamente ao fechar os olhos se introduziam em um mundo interno que na realidade os conectava com um suposto saber, localizado na exterioridade do Olimpo. O termo Terapon na antiguidade designava o companheiro do guerreiro, o que carregava as armas e o ajudava a colocar a armadura. Servidor das musas ou de um deus. Significava também o escravo. Depois passou a significar o que acompanha e brinda serviços, cuidados a uma pessoa importante, e finalmente a um enfermo. O terapêutico se converteu no que é estritamente curativo, adaptar o estado do enfermo a um ideal de saúde, baseado em um saber constituído, objetivo e universal.
            A clínica psicanalítica não é uma clínica da observação, mas sim da escuta e da leitura. Não se trata de um enfermo deitado em uma klyne, cama, mas sim de um sujeito deitado em um divã, que serve para delimitar e reduzir o imaginário que inevitavelmente a experiência implica e que pode encobrir o que orienta a análise, que está mas além das imagens, dos gestos e das vestimentas. [8]
            A ética geralmente se associa com um fazer bem, fazer as coisas bem ou fazer o bem… ideia que confunde ética com moral. Lacan se refere à ética desde sua etimologia Ethos que a conecta com a ideia de ação, um modo de conduzir-se, de mover-se na vida. Há vários movimentos a levar em consideração, mas é central o que indica a orientação da cura. Lacan segue Freud na posição que excluí a intenção de curar a qualquer preço (furor curandis). Recomendava não nos apressarmos em acalmar e evitar o que chamou a reeducação emocional do paciente. Lacan questionava o empuxo à adaptação e a identificação com os significantes Mestres que regem um discurso dado, e que constituem um modelo de saúde e bem estar.
            Quando Lacan dizia que a ética consistia em “atuar acorde ao desejo” [9],nos colocava frente a um aparente paradoxo. O desejo do analista, não é um desejo de algo, não se trata de desejar algo para seu paciente. O Desejo, sem articular, é intransitivo por definição, já que um desejo de algo é na realidade uma Demanda. A indicação de Lacan é precisa: “não responder à demanda”, o que não deve confundir-se com “frustrar a demanda”, que deixaria ao analista contido, extra-viado, no “circulo infernal”. O ato ético é o que não perde a bússola, é o bem orientado, o que aponta permanentemente para aquilo que não termina de petrificar-se no fantasma, mas a respeito do qual o analisante não está totalmente advertido.
            Os permanentemente melhorados psicofármacos, as terapias relaxantes, as soluções comportamentais, a sugestão, saturam o mercado com ofertas instantâneas que são uma tentação fatal para a paixão do neurótico, a quem conviria muito mais passear um pouco por alguns sítios arqueológicos.
            O próximo Encontro, de 6 a 8 de julho, é uma oportunidade para repensar nossas respostas com colegas que chegarão ao Rio para dialogar e assim manter vivo o discurso analítico, nutrindo-o com nossa experiência clínica y fazendo-o bater enquanto refletimos juntos sobre nossa ética.
                                                                                              Abril 2012
Tradução de Maria Luisa Rodriguez Sant`Ana
[1] A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958) J. Lacan.
[2] Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente freudiano (1960) J. Lacan.
[3] Etourdit (1972) J. Lacan.
[4] ibíd.
[5] O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964) J. Lacan.
[6] Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola (1967) J. Lacan.
[7] Problemas cruciais para a psicanálise (1964-5) J. Lacan.
[8] O Eu e o Isso, S. Freud.
[9] O seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1960) J. Lacan.