PRELÚDIO 2 | ||||||||||||||||||||||
INTERPRETAÇÃO: ARTE POÉTICA DO SIGNIFICANTE À LETRA | ||||||||||||||||||||||
Andréa Fernandes | ||||||||||||||||||||||
A interpretação na psicanálise convoca certa arte poética, tanto do analisando como do analista, para lidar com o que do inconsciente insiste e não cessa de não se escrever. Em “Escritores Criativos e Devaneios” (1908), Freud aproxima a literatura, em especial a poesia, ao brincar infantil, à fantasia e ao sintoma, formas que têm, em comum, o fato de traçarem o gozo da letra, do Um, com o gozo do sentido, através do equivoco. No Seminário 24,L’insu que sait de l’une-bévues’aile à mourre, Lacan (1977) retoma o equívoco para dizer que Freud se interessou pelas formações do inconsciente – sonhos, atos falhos, chistes e sintomas – por estarem ligadas a uma “coisa específica que comporta a aquisição da língua”. De acordo com Lacan, Freud, no Entwurf, trata disso através dos traços mnêmicos, que nada mais são do que a significantização do que é irrepresentável de das Ding. Mais uma vez, a poesia é trazida à baila, admitindo Lacan que “o próprio da poesia é ter somente uma significação”, porém “a significação não é o que qualquer um crê. É uma palavra vazia”. Neste sentido, a poesia mostra que “a vontade de sentido consiste em eliminar o duplo sentido”, interpretação cuja lógica, desde Freud, é convidada a ser aplicada na psicanálise. Em A Interpretação dos Sonhos, Freud apontou para o umbigo do sonho, ilustração do ininterpretável formalizado por Lacan, como o que do real faz furo no simbólico. O inconsciente estruturado como uma linguagem apresenta uma escrita furada impossível de ser reconstruída completamente. Em 1900, Freud constrói os fundamentos da lógica da interpretação na psicanálise, descrevendo os sonhos e os chistes como uma escritura pictográfica destinada a se transformar num “enigma figurado” ou rébus, através da associação livre. A homofonia própria ao rébus mostra a letra como suporte material do significante da Verwerfung primordial, do significante da falta no Outro, S(Ⱥ). No ensino de Lacan, nos anos cinquenta, a letra constitui suporte material do significante, passando, em seguida, em Lituraterra, já nos anos setenta, a algo que desenha “a borda do furo no saber”. Com isso, a interpretação na psicanálise buscará cada vez mais as homofonias e polifonias dos termos, e cada vez menos o sentido. Esta orientação é dada por Lacan numa das conferências na Universidade de Yale (1975), em que se recomenda ao analista “deixar-se guiar pelos termos verbais”. Propomos aqui aproximar a expressão “termos verbais” do significante fora da cadeia, fora sentido, “que soa em francês essaim (em homofonia a S1), um enxame significante, um enxame que zumbe” e “que garante uma unidade de copulação do sujeito com o saber” – S1(S1(S1 →S2))). Entretanto, o sujeito não advirá em S2, adverte Lacan, uma vez que “os efeitos de alíngua que já estão lá como saber, vão bem mais longe de tudo que o ser falante é suscetível de enunciar”, e o saber em jogo ultrapassa o sujeito. Logo, é pela lógica própria à interpretação, desde Freud, que o discurso psicanalítico “toca no real, ao reencontrá-lo como impossível” (Aturdito, 1973). Daí porque a estrutura da interpretação, o saber no lugar da verdade, só pode agir ao não visar o sentido ou o objeto, mas sim a causa do desejo. Em função da escrita furada do inconsciente tomada “ao pé da letra”, a psicanálise invoca no furo o gozo próprio ao sintoma. Joyce serve de paradigma ao utilizar uma verdadeira “ars poetica” (Freud, 1908), ao tratar o puro gozo da letra fora sentido. A escrita de Joyce aponta para um savoir-faire artístico, uma escrita na qual a letra, separada do sentido, deixa subsistir o afeto de enigma próprio ao ininterpretável, enigma do qual o analista fará uso pelo seu desejo advertido. A escrita de Joyce interessará a Lacan (1977), na medida em que ilustra a possibilidade de a psicanálise intervir simbolicamente no sintoma, através da interpretação, para “dissolvê-lo no real”, já que a letra do sintoma termina com a elucubração de saber própria ao sujeito, em função do inconsciente ser estruturado como uma alíngua. É justo o ponto até onde vai Joyce, onde não há mais chiste no jogo da língua com a letra, ponto que mostramos ter interessado a Freud na aproximação que fez entre as formações do inconsciente e a literatura, em especial, a poesia. Por fim, a interpretação psicanalítica está articulada ao que se transmite numa psicanálise. Sabemos que Freud recebeu o “Prêmio Goethe”, conferido àqueles “cuja obra criadora fosse digna de uma honra dedicada à memória de Goethe”. Para Freud (1930), “Goethe, como poeta, não foi apenas um grande revelador de si mesmo, mas também, a despeito da abundância de registros autobiográficos, um cuidadoso ocultador de si mesmo”. Para concluir, podemos dizer que a ars poetica é utilizada pelos escritores (Freud, 1908) para trazer a público a letra separada do sentido, apontando para umsavoir-faire artístico, que diz respeito a um saber-fazer com o ininterpretável próprio à escrita furada do inconsciente, real de que se ocupa a psicanálise. Pelo exposto, o tema da interpretação é de fundamental importância para a psicanálise e a ele iremos nos dedicar durante três dias de trabalho no Encontro Nacional da EPFCL em Salvador-Bahia. NORMAS PARA ENVIO DE PROPOSTAS DE TRABALHO Os interessados em apresentar trabalhos deverão encaminhar o argumento junto com o comprovante do depósito bancário para o e-mail comissaocientifica2011@gmail.com, de acordo com as seguintes instruções: • Texto em arquivo formato Word versão 2003 ou superior, contendo duas páginas; 1. Folha de rosto com o título do trabalho, nome completo do autor, sua instituição, formação e e-mail; 2. Folha do argumento apenas com o título do trabalho e o resumo, contendo a contextualização do tema e objetivo do trabalho, deve limitar-se a 2000 caracteres. • Envio do argumento até 31 de julho; O resultado da seleção dos resumos será divulgado até o dia 19 de setembro e os autores cujos trabalhos tiverem sido selecionados terão até 15 de outubro para enviar o texto completo para comissaocientifica2011@gmail.com. A versão definitiva só será aceita com 6 (seis) laudas, em espaço duplo, letra 12. SUGESTÃO DE TEMAS A SEREM DESENVOLVIDOS • A interpretação dos sonhos; • Interpretação e transferência; • Interpretação e construção em análise; • A função e os efeitos da interpretação; • A função do silêncio; • Interpretação e equívoco; • Citação, enigma, pontuação, corte e retificação subjetiva; • O dito e o dizer na interpretação; • Dizer modal e dizer apofântico; • A interpretação nos discursos; • A interpretação no discurso do psicanalista: a∕S2; • Interpretação e alíngua; • A interpretação e a letra; • A dimensão simbólica e real da interpretação; • Interpretação e poesia; • A Interpretação na clínica com psicótico; • A interpretação na clínica com criança; • A interpretação na psicanálise aplicada. PROPOSTAS DE TRABALHO PARA O ESPAÇO ESCOLA Esta modalidade é aberta a todos os participantes de CARTÉIS inscritos na Escola, assim como aos membros da EPFCL-Brasil. O resumo do trabalho deve ter entre 8 a 15 linhas, letra 12, especificando tratar-se de trabalho de cartel ou trabalho sobre questões da Escola. Enviar até o dia 19 de setembro. | ||||||||||||||||||||||
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FICHA DE INSCRIÇÃO | ||||||||||||||||||||||
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quarta-feira, 20 de julho de 2011
Boletim Informativo do XII Encontro Nacional da EPFCL-Brasil e Prelúdio n.2
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