“Dizer tem a ver com o tempo. A ausência de tempo, é algo que se sonha, é o que se chama eternidade, e esse sonho consiste em imaginar que alguém acorda”(Lacan 15/11/77)
Levando em conta os avanços da tecnologia, poderia parecer que a fragilidade dos laços humanos estaria afetada pela problemática do tempo. O imediatismo das ofertas do mercado oferece com rapidez imagens sem substância projetadas onde se queira, com a proposta do todos iguais em seu gozo e ao mesmo tempo. A distinção entre o corpo singular e a imagem se desconstrói na tela da chamada vídeo-realidade. Em sentido contrário à ética dos discursos, que ordena e limita a relação entre os sujeitos, os efeitos do imediatismo das ofertas se traduzem em uma banalização do tempo, onde sobrevém um objeto a mais a se ter ou se controlar . No lugar da falta – chave do desejo- a profusão dos objetos mais de gozar deixa o sujeito na insatisfação, na posse de um saber generalizável onde abundaria o que se veio a denominar a transparência do evidente. Tal qual a vigilância por um só olhar que tudo vê como no panótipo analisado por Michel Foucault nos anos 1970, estaria agora presente a suposição de um olhar pluridimensional e fragmentado da realidade.
Na tentativa vã de suprimir o registro do incognoscível - algo sempre fica na sombra - se tentaria ignorar a negatividade criativa onde se ordenam as relações com o outro em cada discurso. Na medida em que o homem é incompleto, existe um furo no ser que nunca pode ser preenchido, e isso não deixa de estar vinculado com a relação do sujeito com o tempo: quando dizemos não ao que nos é dado agora, para aspirar ao que não nos é dado ainda.
Voltemos a encontrar as consequências da degradação da vida amorosa em sua relação com o tempo, que apanham o neurótico no demasiado cedo ou no demasiado tarde assinalado por Freud, à espera de uma falsa porta que permitiria escapar do temido tédio. Depois da oferta de alcançar um gozo completo que conduziria ao amor, temos a solidão da prisão narcisista a qual se acrescenta a passividade subjetiva e a pobreza libidinal do laço com os objetos.
Porém a psicanálise comprova que os paradoxos do amor e do desejo não deixaram de interrogar os seres humanos desde os inícios da cultura. Se o encontro dos amantes é da ordem do imprevisível, como o olhar de Beatriz que capturou Dante, que é o que faz com que o parceiro seja esse e não outro, contrariando a imagem ideal que se supunha desejar . As elucubrações da razão não conseguem explicar as condições de amor, liebsbedingung freudiana, traço particular no inconsciente que orienta a escolha e nem tampouco o brilho agalmático que investe a libido sexual sobre o objeto, sempre parcial no ensino de Lacan.
O amor se une ao desejo tentando agarrar o instante da sedução com o outro ser humano, como demanda de presença como chamariz de união e reciprocidade. O amor pede amor reeditando cenários cuja caducidade não diminui, mas acentua seu atrativo, como dizia Freud ao se referir ao “o transitório “ .
É então a dimensão da falta o que põe asas nas palavras tecendo novo sentido na borda do furo da castração: a insuficiência da linguagem para abordar o real, a impossibilidade do dom do objeto que cava a inexistência do Outro, o luto do perecível que causa nosso desejo, marcado de entrada pela morte.
Observamos que os fracassos na vida amorosa acentuam a dor de existir em algumas mulheres que nos consultam sobrecarregadas com a profusão de um saber pré-estabelecido onde tudo se tenta analisar na superfície dos feitos.
Se como se diz a análise é uma cura pela palavra- amor de transferência ao saber- é porque o tratamento do objeto a toma seu lugar na descontinuidade dos ditos, acrescentando o tempo para compreender que modera a exigência imediata da pulsão encapsulada no sintoma.
Na direção oposta ao todo-sentido, a função do corte da interpretação na análise atende à particularidade do inconsciente, agarrando no ar um novo saber sobre a falta, onde se possa se dizer alguma coisa sem que nenhum sujeito o saiba.
Lacan se refere à função do desejo do analista como um “machado de duplo fio” pois ao final da análise temos a queda do sujeito suposto saber privilegiando o dizer que toca o real, efeitos de escritura que aspira o “momento de concluir”, esvaziamento de substância e de sentido na relação transferencial.
É a função do objeto que Lacan nos ensina em Radiofonia quando diz: “faz falta o tempo para fazer-se ser”, o tempo que “faz falta” é a constatação de que o tempo para ”fazer-se ser” se faz com falta, que a falta é seu estofo.
Comprovamos que o percurso de uma análise promete a possibilidade de dar fim ao amor de transferência com a destituição subjetiva, como ganância de ser, como saber sobre a falta. Estaria então o sujeito melhor preparado para abordar os temas do amor no casal? Colette Soler assinala que, por sua relação com o mais íntimo do sujeito, o amor depende da contingencia do encontro não programado e a análise não aspira solucionar o enigma da não relação no casal sexual, que é da ordem do real. Porém, por sua vez a análise poderia ter seus efeitos para criar suas condições de possibilidade.
Se sabemos que o gozo é algo singular, privativo de cada um e não faz laço com o Outro, o que é que permitiria ainda um enlace entre o gozo, que se basta a si mesmo, e a relação com a palavra, com o discurso, que supõe o amor, senão é através de sua amarração do dizer ao desejo?
No percurso de uma análise o sujeito pode ter apreendido que o que causa o desejo em seu invólucro de vazio e a responsabilidade de suas escolhas. Ante a falta de garantia do Outro, se trataria de renovar a aposta, que em realidade é “o que desperta” e nos devolve a nossa condição de sujeitos concernidos pelo tempo, sabendo que os efeitos só se reconhecem a posteriori e o que se alcança nunca será o que se espera.
Ana Canedo, 12 de maio 2015.
Tradução Elisabeth da Rocha Miranda
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