O que responde o psicanalista? Responde… "Olá!...” “Boa tarde”... “Bom dia”…, conforme a hora, conforme o lugar. O analista responde a uma chamada no celular, uma mensagem de texto, um email, ou uma rede social pela internet… em fim, ele não é alheio às vicissitudes de seu tempo. A era das comunicações e as vertiginosas inovações tecnológicas não deixam indiferente a nossa prática, que adota hoje estilos que nem Freud nem Lacan poderiam imaginar. O analista, como todos, está imerso no discurso circulante, tesouro vivo de significantes: palavras, frases, mitos, crenças e chistes, que nascem e morre como as células de todo corpo vivo.
O analista compartilha o Código da Linguagem, ainda que não sem uma particular sensibilidade aos fenômenos da linguagem, desenvolvida durante sua formação e sua própria análise. Assim que comprovar que a análise é possível, o uso que o analista fará da linguagem será diferente. A relação do começo, a serviço da comunicação, o acordo, o encontro, se transformará em uma relação assimétrica, na qual só um sujeito conta. Lacan dizia [1] que o analista paga com a sua pessoa para atingir os objetivos da análise. Em seguida situa o analista na posição de objeto, causa do desejo e condição para o surgimento do inconsciente que a rigor, é chamado a criar-se, a inventar-se, durante a análise. Lacan propõe o “futuro anterior”, para indicar que o sujeito do inconsciente deverá advir em um momento futuro, mas se localizará na estrutura como tendo estado desde o principio. Este tempo lógico, retroativo, indica no Grafo do Desejo que o sujeito é o resultado de um complexo percurso que representa o encontro do vivente com o simbólico. [2] Este movimento re-acontece a cada vez que em uma análise se produz um efeito-sujeito, enquanto transcorrem as repetidas voltas dos ditos (E-tour-dit). A cronologia não é a do sentido comum e o movimento vai no sentido contrário ao da intuição.
Os tempos verbais, a matemática, a lógica, a topologia… Lacan utiliza diferentes recursos para ilustrar o que a primeira vista pareceria um encontro impossível: Como pode analista responder a um sujeito que não é o que vai para a consulta, mas que só posteriormente advirá? Como responder a um sujeito que é só um “efeito”, que não é agente de uma verbalização, mas sim uma dedução? E como pode responder um objeto? Como é possível responder desde uma posição de objeto?
Em sua posição de objeto a, agente do discurso analítico, o analista custodia o vazio no Outro e se coloca como um stent vascular que evita o obturamento da falta e garante a circulação do desejo do analisante. Sua resposta estará sempre orientada pela função que Lacan chamou Desejo do analista que vai contra a identificação e em direção ao objeto da pulsão e ao desejo do sujeito. O analista pode fazer muitas coisas com o material associativo do analisante. Uma pontuação, uma citação, uma pergunta, uma alusão enigmática, um corte, um silencio. São diferentes modalidades de interpretação, que é a autentica resposta do analista. É apofântica, ou seja, vai mais além do sentido. ’Não é uma hermenêutica, mas sim um ato que permite que se desprendam os significantes apresados no sintoma. Trata-se de uma “não toda resposta” que não obstaculiza a possibilidade de que seja o analisante quem diga algo realmente novo e que a dimensão do “dizer não fique esquecida no que se diz”. [3] Para isso, deve-se conservar a falta no Outro, e por isso o analista se ocupará de que sua resposta nunca seja completa ou pretenda completar essa falta. Garantida esta condição, a pesar da aparente comedia de desencontros, poderá produzir-se um encontro que na realidade não é um encontro de dois, mas sim uma continuidade moebiana.
A “não toda resposta" do analista deixa um espaço por fora do que se enoda neste particular laço social e assim, faz ex-sistir o conjunto vazio, o transfinito de Cantor, a incompletude de Godel, o elemento paradoxal de Russell [4] etc., os diferentes recursos que usou Lacan para representar um vazio demarcado, que é o lugar do objeto, a pulsão e o gozo. Não é um infinito ilimitado, o vazio que se desenha em cada volta da cadeia dos ditos se unirá ao lugar da falta que fielmente custodia o analista e que permitirá a experiência do real na análise. Poderíamos cunhar um matema ““ (Resposta Barrada), como moeda de circulação interna para o VII Encontro no Brasil, que de conta da Resposta não-toda, que torna possível uma análise.
A partir da separação, des-alienante, des-identificante surgirá a resposta mais valiosa em uma análise: a que o próprio falasser dará ante a falta no Outro, desde sua singularidade de gozo. [5]
O analista e o analisante, são como “parceiros que jogam como as asas de uma tela giratória e como a transferência é o pivô dessa alternância” [6]
Envio aqui um link que permite ver em um espaço tridimensional, em movimento, a topologia da garrafa de Klein que nos mostra as voltas do dizer envolvendo um vazio e a localização deste sem limite algum entre um interior e um exterior.
“Se pode entrar em seu interior como em um moinho. Seu interior se comunica integralmente com seu exterior... o microcosmo não está feito de uma parte virada do avesso do mundo, como vira se vira a pele de um coelho. É verdadeiramente um fora, que se confronta com o dentro do cosmo” [7].
Clínica e ética.
Não há clínica sem ética e não há ética relevante para a psicanálise a não ser em relação com a clínica. Lacan não deixou de enfatizar a importância de ambas, em suas apresentações de caso em St. Anne, em seus seminários, seus escritos e também em suas ironias e críticas aos analistas e as práticas que se distanciavam delas. Entretanto pode haver certa tensão entre ambas, não só uma questão de gravitações diferentes. É um desafio afrontar esta pergunta que nos coloca frente à necessidade de precisar as diferenças.
KLINICOS, em grego, designava aquele que visitava o enfermo que estava acamado (é um derivado de KLINE, cama). Durante longos períodos da historia o médico tinha como função principal a de ajudar os enfermos de acordo com as pautas estabelecidas em cada cultura. Inicialmente a função do médico não era necessariamente a cura, os rituais estipulavam a forma de conjurar os enfermos e às vezes a clínica consistia somente em ajudá-los a morrer. No Peloponeso se descobriram as ruínas do Epidauro e o Santuário de Asclépioum antigo centro terapêutico, que incluía um teatro, salas de exercícios físicos e um recinto chamado enkoimeterion no qual os enfermos se deitavam durante vários dias e dormiam. Durante o sono, assim eles acreditavam recebiam a orientação dos deuses que lhes davam as chaves para o tratamento. Curiosamente ao fechar os olhos se introduziam em um mundo interno que na realidade os conectava com um suposto saber, localizado na exterioridade do Olimpo. O termo Terapon na antiguidade designava o companheiro do guerreiro, o que carregava as armas e o ajudava a colocar a armadura. Servidor das musas ou de um deus. Significava também o escravo. Depois passou a significar o que acompanha e brinda serviços, cuidados a uma pessoa importante, e finalmente a um enfermo. O terapêutico se converteu no que é estritamente curativo, adaptar o estado do enfermo a um ideal de saúde, baseado em um saber constituído, objetivo e universal.
A clínica psicanalítica não é uma clínica da observação, mas sim da escuta e da leitura. Não se trata de um enfermo deitado em uma klyne, cama, mas sim de um sujeito deitado em um divã, que serve para delimitar e reduzir o imaginário que inevitavelmente a experiência implica e que pode encobrir o que orienta a análise, que está mas além das imagens, dos gestos e das vestimentas. [8]
A ética geralmente se associa com um fazer bem, fazer as coisas bem ou fazer o bem… ideia que confunde ética com moral. Lacan se refere à ética desde sua etimologia Ethos que a conecta com a ideia de ação, um modo de conduzir-se, de mover-se na vida. Há vários movimentos a levar em consideração, mas é central o que indica a orientação da cura. Lacan segue Freud na posição que excluí a intenção de curar a qualquer preço (furor curandis). Recomendava não nos apressarmos em acalmar e evitar o que chamou a reeducação emocional do paciente. Lacan questionava o empuxo à adaptação e a identificação com os significantes Mestres que regem um discurso dado, e que constituem um modelo de saúde e bem estar.
Quando Lacan dizia que a ética consistia em “atuar acorde ao desejo” [9],nos colocava frente a um aparente paradoxo. O desejo do analista, não é um desejo de algo, não se trata de desejar algo para seu paciente. O Desejo, sem articular, é intransitivo por definição, já que um desejo de algo é na realidade uma Demanda. A indicação de Lacan é precisa: “não responder à demanda”, o que não deve confundir-se com “frustrar a demanda”, que deixaria ao analista contido, extra-viado, no “circulo infernal”. O ato ético é o que não perde a bússola, é o bem orientado, o que aponta permanentemente para aquilo que não termina de petrificar-se no fantasma, mas a respeito do qual o analisante não está totalmente advertido.
Os permanentemente melhorados psicofármacos, as terapias relaxantes, as soluções comportamentais, a sugestão, saturam o mercado com ofertas instantâneas que são uma tentação fatal para a paixão do neurótico, a quem conviria muito mais passear um pouco por alguns sítios arqueológicos.
O próximo Encontro, de 6 a 8 de julho, é uma oportunidade para repensar nossas respostas com colegas que chegarão ao Rio para dialogar e assim manter vivo o discurso analítico, nutrindo-o com nossa experiência clínica y fazendo-o bater enquanto refletimos juntos sobre nossa ética.
Abril 2012
Tradução de Maria Luisa Rodriguez Sant`Ana
[1] A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958) J. Lacan.
[2] Subversão do sujeito e a dialética do desejo no inconsciente freudiano (1960) J. Lacan.
[3] Etourdit (1972) J. Lacan.
[4] ibíd.
[5] O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964) J. Lacan.
[6] Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola (1967) J. Lacan.
[7] Problemas cruciais para a psicanálise (1964-5) J. Lacan.
[8] O Eu e o Isso, S. Freud.
[9] O seminário, livro 7: a ética da psicanálise (1960) J. Lacan.
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