terça-feira, 16 de agosto de 2011

XII Encontro Nacional da EPFCL-Brasil - Prelúdio 4



Textos Preliminares para o XII Encontro Nacional da EPFCL/AFCL – Brasil

PRELÚDIO 4

A RESPOSTA QUE CONVÉM AO ESTILO DO INCONSCIENTE

Dominique Fingermann

A interpretação é a resposta do analista, “a resposta que convém ao estilo do inconsciente”(1), condicionada pelo seu desejo, seu discurso, seu ato, operação que a ética do Bem-Dizer lhe outorga, em consequência de sua própria analise, ou seja, de uma “prática da tagarelice”(2), do blá-blá-blá. O que convém é que o psicanalista saiba operar a (na) transferência do começo ao fim; por isso é necessário “que ele saiba operar convenientemente, ou seja, que se dê conta do alcance das palavras para o seu analisante”(3). Por isso ele deve ele mesmo alcançar a diz-mensão poemática do dito, ou seja, a vivacidade do movimento pendular como descreve Paul Valéry(4) entre a “voz em ação” e “todos os valores significativos” constantemente permeados e renovados pela sua música, tal uma fonte cujo espetáculo é produzido por algo tão inapreensível e resoluto quanto a força da água e o cristal de seu respingar perpétuo.

Antes de tudo, é o analisante que interpreta, e por isso mesmo supõe no analista um parceiro, um complemento da interpretação que disparou precocemente o seu périplo subjetivo: alucinação da experiência de satisfação, teorias sexuais infantis, interpretação fantasmática do silêncio do Outro. O analisante interpreta, no fio da associação livre, ele tece o seu texto, bordado barroco em torno do litoral da letra, ele tece a textura das suas elucubrações, narrativa, mito, ficções, novela familiar, verdade mentirosa, o sentido transborda do furo do ab-sens, ab-sexo.

O analista pode “ajudar”, “colaborar” nessa tarefa – diz Lacan várias vezes –, as suas escansões, pontuações, “estimulam” a sua capacidade ficcional, a produção de significação via metáfora e metonímia. Mas o que ele vai qualificar como “interpretação” a partir do Seminário “O Ato psicanalítico” é mesmo uma entrada do analista, uma intrusão, que não se acumplicia com isso: o analisante costura, o analista corta.

Sabemos que Lacan deu diferentes formulações da interpretação que acompanharam as mudanças de sua apreensão do real da clínica; no entanto, o seu valor fundamental de corte persiste, e insiste, ao longo do seu ensino. Fundamentalmente é corte em relação à esperança transferencial, “o lugar de onde o psicanalista fala, não é o mesmo que aquele de onde está suposto falar na transferência”(5).

Embora Lacan precise que a interpretação limite o “pas de dialogue” (não há diálogo), ou seja, constitui certa “interlocução”, a intervenção do analista atualiza essencialmente a alteridade, a hiância, o hiato, o “pas de sens” (não sentido), o “não há relação sexual”, o gozo de Um sozinho. Ao longo da análise, esse corte tem efeito paradoxal de propiciar os passos de sentido (pas de sens), até que, ao cingir o impasse ao qual conduzem necessariamente os passos, o analisante consinta topar com o ab-sens, a falha original de sentido.

Que seja escansão da cadeia significante que revela a produção de significação do sujeito suposto, que seja intrusão, “imisção”, suplemento de significante, “ligar (ler) de um outro jeito”(6), que seja surpresa, equívoco, citação, enigma, poesia, todas as variantes da interpretação produzem um corte no sentido e na verdade, todas suspendem o SsS. Em geral, o analisante demora certo tempo antes de perceber que a intervenção do analista não completa a sua verdade, mas responde à verdade com o saber: a posição do inconsciente é resposta e responsabilidade do analista.

No Seminário XVI, Lacan diz que a interpretação responde à verdade, produzindo uma falha, que tem efeitos de saber, que torna sensível, apreensível “um saber primitivo”.

No Seminário XXII, ele precisa, dizendo que “a interpretação reverbera mais longe do que a fala”(7), “a interpretação repercute algo mais longe do que a fala”, ela “força aí outra coisa”, ela toca “a ex-sistencia de alíngua”.

O corte, portanto, não é simplesmente negativação dos ditos, pelo contrário, a interpretação silencia o sentido que sutura o inter-dito, para produzir, atualizar, no intervalo, o oco que permite que ressoe o eco do dizer: nesse sentido, Lacan valorizou em algum momento a intervenção “tu l’as dit!” (“Você o diz”, ou “o dito foi seu!”) como uma das melhores interpretações, pois ela corta a suposição de saber no outro (foi você que disse) e aponta que o dito não vai sem o dizer: o dito permite localizar e autentificar o lugar do dizer (“Ça ne va pas sans dire””). O corte da sessão produz igualmente esse mesmo efeito de esvaziamento do sentido e de ressonância do dizer: “Tu l’as dit!”.

A resposta do analista, a interpretação que convém ao estilo do inconsciente e conduz a análise até seu fim, tem consequências além do final da análise: quando, ao insucesso do sujeito suposto saber e da verdade mentirosa, responde o sucesso da repetição. Quando da repetição, foi destacado o Um, do Um-Dizer, ou seja, a sua potência de acontecimento poético, então, no meio da psicanálise, encontra-se o fim, encontro que ultrapassa as esperanças do encontro marcado com o sujeito suposto saber, encontrão de um “oco sempre futuro”, como diz Paul Valéry(8). É da solidão enquanto separação com o outro que pode emergir, irromper o amor e a criação. É do vazio da solidão radical do ser que a acontecência possa ter lugar: um oco proporcionando sempre o eco por vir.

O pour moi seul, à moi seul, en moi-même,
Auprès d'un cœur, aux sources du poème,
Entre le vide et l'événement pur,
J'attends l'écho de ma grandeur interne,
Amère, sombre, et sonore citerne,
Sonnant dans l'âme un creux toujours futur!


Ó só por mim, só de mim, em mim mesmo,
Junto a um coração, às fontes do poema,
Entre o vazio e o acontecimento puro,
Espero o eco de minha grandeza interna,
Amarga, escura e sonora cisterna,
Ressoando na alma um oco, sempre futuro!
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1 LACAN, Jacques. A psicanálise e seu ensino [1957] In: ____. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p.449.
2 LACAN, Jacques. Le moment de conclure (Le Séminaire XXV). Paris: Éditions de l’ALI. p.11.Inédito.
3 Id., ibid. “[...] Ce qu'il faudrait, c'est qu'il sache opérer convenablement, c'est-à-dire qu'il se rende compte de 1a portée des mots pour son analysant”. Tradução nossa.
4 VALERY, Paul. Variété. In : ____. Œuvres complètes. Paris: Gallimard (Pléiade). p. 1.332.
5 LACAN, Jacques. L’objet de la psychanalyse (Le Séminaire XIII). Paris: Version ALI (inédito). p.138 :“[...] La place d'où le psychanalyste parle n'est pas la même que celle d'où, dans le transfert, il est supposé parler”. Tradução nossa.
6 LACAN, Jacques. O ato psicanalítico (O Seminário XV). Inédito.
7 LACAN, Jacques. RSI (Le Séminaire XXII). Paris: Version ALI. p.78. Inédito: “[...] Il est certain qu'elle porte, l'interprétation analytique porte d'une façon qui va beaucoup plus loin que la parole”. Traduçao nossa.
8 VALÉRY, Paul. Le cimetière marin [1920] In : ____. La bibliothèque de poésie. Paris : Éditions France Loisirs, 2004. v.III, p.803.






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