sexta-feira, 17 de junho de 2011

STYLUS 21

STYLUS 21 JÁ SE ENCONTRA À VENDA NA SEDE DO FCL-FORTALEZA.
EM BREVE, STYLUS 22.


EDITORIAL - STYLUS 21




Em julho de 2010, a belíssima cidade de Roma sediou o VI Encontro da Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano e da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, presidido pelos colegas Diego Mautino e Mario Binasco. O tema escolhido para esse Encontro não poderia ser mais oportuno: “O mistério do corpo falante”.
Essa frase foi extraída da penúltima aula do Seminário Encore (1972/73), traduzido para o português como Mais, ainda: o real é o mistério do corpo falante, é o mistério do inconsciente (p. 178). Encore (ainda), En corp (no corpo). Nesse Seminário, Lacan ensina que a experiência psicanalítica trata da substância gozante. Essa substância não é nem a res extensa de Descartes, nem tampouco a res anatômica dos mapas dos anatomistas. Trata-se, antes, da substância do corpo, com a condição de que se defina como aquilo de que se goza. Um corpo – afirma Lacan – isso se goza (p. 35).
Mas, atenção! Atenção para a advertência de que o gozo do Outro – do corpo do Outro que o simboliza – não é signo de amor. O âmour (almor), neologismo que une alma e amor é, segundo Lacan numa transação fora-do-sexo. A alma ama a alma, não há sexo na transação. O sexo não conta nesse caso (p. 114). A tentativa da ciência em localizar o gozo da mulher na anatomia é o sonho da fantasia masculina, como aponta Lacan em várias passagens do Seminário Encore, já que não apenas o gozo do Outro não é signo do amor, como também o corpo que o simboliza não pode ser reduzido a um pedaço de carne, que Lacan nomeia de gozo do órgão. É próprio da neurose excluir o Heteros que lhe causa horror.

O seminário Encore transmite, assim, a impossibilidade de escrever a relação do real do corpo com a linguagem: o ser do corpo é sexuado, mas não é desses rastros que depende o gozo do corpo no que ele simboliza o Outro. O corpo, aqui, está longe de ser apenas uma imagem, ou mesmo o cadáver (corps), produzido pela inscrição do traço e a cessão do objeto a – ou seja, o corpo simbólico. O corpo, em sua dimensão real, é propriamente o “lugar do gozo”. Trata-se, portanto, de formalizar uma divisão no próprio campo do gozo. Como Lacan sublinha: A resposta que o gozo do corpo do Outro pode constituir não é necessária (p. 12). O amor, ao contrário, em sua necessária cumplicidade, sempre almeja o Um. Lacan convoca, aqui, a “carta de amor”, a carta de Paulo de Tarso que funda o universalismo cristão, o Todo inscrito na máxima: amai-vos uns aos outros. Mas o Um, argumenta Lacan, “só se aguenta pela essência do significante”. E ele acrescenta: Encore é o nome próprio dessa falha de onde, no Outro, parte a demanda do amor. Ele abre, então, a questão: De onde parte o que é capaz, de maneira não necessária, e não suficiente, de responder pelo gozo do corpo do Outro? Não é do amor, mas do amuro (p. 13). O amuro é o que aparece em signos bizarros no corpo. São esses caracteres sexuais que vêm do além, sob a forma de gérmen. É de lá que vem o encore, o en corp (no corpo). Há rastros no amuro (p. 13).
Se é evidente a referência do amuro à rocha da castração, ou seja, ao real da diferença sexual, Lacan, entretanto, adverte que são apenas rastros. A questão dos corpos sexuados é, portanto, tomada como “fatos de discurso”, ou seja, a sexuação humana é uma consequência lógica do discurso. E dessas consequências, o Psicanalista é convocado a extrair um posicionamento ético.
Nesse número 21 da Revista Stylus – que prossegue no tema iniciado no número 20 “Corpo e inconsciente” – poderemos acompanhar, teórica e clinicamente, algumas provas desse posicionamento.
Na seção “Ensaio”, contamos com os textos de Barbara Guatimosin e Antonio Quinet que articulam, com propriedade, Arte e Psicanálise. O primeiro parte de gravações originais de algumas canções e trabalha “os efeitos de lalíngua em algumas de suas versões, transcriações nas quais se cortam e se enodam significações, produzindo o novo desde efeitos de real no sentido”. O segundo conclui que “homem é um ser-para-a-arte, o teatro é o lugar da poesia encorpada, do significante gozante, da letra que se faz voz, lugar onde o ator demonstra a materialidade fonética da palavra, o gozo de lalíngua, lugar onde pode transformar seu corpo num poema, um corpoema”. Ainda nessa seção, Maria Helena Martinho se serve da obra-prima do escritor japonês Yukio Mishima, intitulada Sol e aço (1968), na intenção de destacar desse ensaio autobiográfico as descobertas feitas pelo autor sobre a relação entre “o corpo e as palavras”. E Raul Pacheco Filho explora “as conexões entre: de um lado, a alienação estrutural e trans-histórica do sujeito e seu ‘encantamento’ com os objetos; e, de outro, a alienação contingente e histórica do sujeito do capitalismo e o fetichismo da mercadoria”.
Na seção “Trabalho crítico com conceitos”, contamos com o trabalho de Diego Mautino, apresentado em Roma – “O ‘corpo falante’ e o ‘mistério de uma outra satisfação’ –, no qual articula ‘mistério do corpo falante’” (mistério – corpo – falante) aos registros RSI, à revisão impressa por Lacan sobre o sintoma (tomando o artifício de Joyce como paradigma) e ao termo satisfação. Sandra Berta – em artigo também apresentado em Roma – aborda “as considerações sobre a passagem do trauma como acidente para o troumatismo, termo cunhado por Lacan para dizer do furo que afeta a estrutura do parlêtre”. E Jairo Gerbase “examina como o sujeito maneja o corpo em função das estruturas clínicas: neurose e psicose, fazendo uma segunda relação entre este manejo e as dimensões do Real, do Simbólico e do Imaginário (RSI)”.
Contamos, ainda, com a contribuição do artigo da Antropóloga Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer – “Corpo: produto e suporte de representações sociais” – produzido a partir de uma conferência proferida no FCL-SP, cuja proposta é indicar algumas das principais conquistas da antropologia e seu atual engajamento em discussões acadêmico-políticas pertinentes às noções de corpo e corporalidade.
Na seção “Direção do tratamento”, o leitor poderá acompanhar um pouco mais da produção da Rede de pesquisa “Sintoma e Corporeidade”, do FCL-SP, por meio do trabalho de uma de suas coordenadoras, Tatiana Carvalho Assadi, cujo objetivo é mostrar, num caso de vitiligo, como a função de uma letra não escutada durante as entrevistas preliminares poder ser a marca da entrada em análise e da leitura como tática clínica num caso de fenômeno psicossomático. Rosane Melo discute, por meio de fragmentos clínicos, a relação entre a incorporação significante, tanto nos sintomas corporais da histeria, quanto nos fenômenos corporais da esquizofrenia. E Gabriel Lombardi, com o rigor que lhe é peculiar, extrai as consequências da oposição entre a conversão como sintoma com o qual o histérico chega a se vincular socialmente, e o sintoma do neurótico obsessivo que, nos dizeres de Freud, é “um assunto particular do enfermo”.
Antes de finalizar, gostaria de lembrar que, com o número 21, a atual Equipe de Publicação de Stylus (2008-2010) se despede, agradecendo a todos os que apoiaram seu trabalho durante esse período e desejando aos futuros integrantes um ótimo trabalho.
Boa leitura!
Ana Laura Prates Pacheco

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