domingo, 12 de junho de 2011

Lançamento de Stylus 22

Editorial


O sintoma não é um tema novo para a psicanálise. Entretanto,
sua relação com a política não é evidente, o que justificou a pesquisa
sobre o tema “O sintoma: sua política, sua clínica”, organizada pela
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil durante
o ano de 2010, e a publicação de artigos sobre esse tema nesta
e na próxima edição da Revista Stylus e que me faz, no momento,
introduzir esta questão.
O sintoma está na origem da invenção da psicanálise e, muito
antes dela, com Marx, responsável pela noção de mais-valia, equivalente
para a psicanálise ao termo mais-de-gozar. No seu âmago –
o amor: ele é um problema de amor ou, dizendo de outra forma, da
realidade sexual do inconsciente. Freud sabia disso e jamais deixou
de implicar Eros na tentativa de manter o sujeito no laço social(1). O
sintoma traz essa marca de compromisso e de uma renúncia pulsional.
O Eros freudiano não está longe da função de amarrar, enodar
os três registros – simbólico, real e imaginário – presentes na noção
de sintoma nos seminários tardios de Lacan.
A política, tema antigo também, presente desde a origem das
cidades, tem no seu âmago um sistema de regras. Na tarefa de associação
de pessoas numa comunidade, na procura pelo parceiro
ideal ou na tentativa de corresponder aos ideais da cultura, o falasser
encontra o desencontro, a não-relação, a falta-a-ser. A política possível
para a psicanálise(2) comporta essa dimensão da falta. Por isso,
podemos dizer que o inconsciente é a política(3). Tratar o sintoma por
esta política aponta para a incompletude na direção do tratamento,
e, por mais paradoxal que isso possa parecer, esse é o seu poder.
O problema é quando as armadilhas da contemporaneidade tentam
camuflar essa fragilidade e a impotência com promessas de felicidade.
(4) O discurso do capitalista, trabalhado rigorosamente por Colette
Soler em um dos artigos desta revista, tenta tomar a demanda
pelo desejo. Engano neurótico que faz do sujeito um usuário do
seu produto e não exige a renúncia pulsional, mas, ao contrário,
instiga a pulsão, impondo ao sujeito determinadas relações com a
demanda. Sem se dar conta, sustenta, sobretudo, a pulsão de morte.
Esta tal máquina de gozo instalada por esse discurso na cultura está
longe de ser desejante.

Para essa ausência de saída do discurso capitalista, Lacan propõe o discurso do psicanalista. A clínica psicanalítica, que trata do mistério do corpo falante, é uma prática de falação que pode ter efeitos sobre o corpo e sobre os sintomas nos tempos atuais. Ela tenta restaurar o lugar do desejo, reinstaurar a verdade do sujeito, castração, ou seja, o mal-estar na cultura, mas que “não constituirá num progresso se for somente para alguns”(5). Como fazer com que esta clínica não seja apenas para alguns?
Responder a esta indagação implica uma política orientada por uma ética: a do bem dizer. Esta é a aposta da psicanálise: quanto mais e melhor muitos puderem falar daquilo que lhes causa, da sua falta-a-ser, dos seus sintomas, mais possibilidades de transformações neste modo de gozar do inconsciente e maiores possibilidades de ocupar novas posições no laço social, o que justifica investigar e justificar – ainda neste século – como os sintomas, que implicam diretamente o corpo, são tratados e muitas vezes, modificados por essa clínica da fala.
A presente edição da Revista Stylus e a próxima são o resultado desta indagação. Agrupamos na edição número 22 – advertidos dos limites desta separação – os artigos que tratam prioritariamente do termo política, e na edição 23 o termo sintoma. Essa divisão justificou neste número a publicação de um Thesaurus, tomado aqui por uma licença poética, na sua acepção latina de tesouro. Nele, o leitor encontrará a maioria das referências à política na obra de Lacan. Esperamos que ele possa servir como fonte valiosa para futuras pesquisas dos que estudam a cultura e/ou tratam dessa questão na clínica. Neste número também estão vários outros artigos que merecem ser estudados pelo rigor com que tratam esta questão.
Abre a revista o ensaio de Joan Salinas-Rosés, que articula de forma bastante interessante o que na Idade Média foi a “extração da pedra da loucura”, retratada num quadro de Bosch, ao que ele chama “introdução da pedra da loucura” na contemporaneidade, ou seja, a introdução discursiva no sujeito de significações únicas, imperativas do “direito próprio”, que têm como consequência o “genocídio da subjetividade”, a exacerbação do narcisismo e da Eucracia, como dizia Lacan.
O ensaio seguinte, de autoria de Gabriel Lombardi, trata de um tema bastante importante para a política do sintoma na psicose. Ele define, de forma precisa, as principais características do delírio e do discurso, interrogando as relações mútuas entre eles e sustentando algumas distinções clínicas básicas para a psicanálise. Esse texto, originado de um curso, merece ser estudado, pois ensina sobre a clínica sutil do sintoma na psicose e a forma com que o homem delirante se exila do social e sobre a decisão política e a responsabilidade do homem social ao entrar nos discursos.
Na seção “Trabalho crítico com conceitos”, além do trabalho de Colette Soler, já citado, contamos com o trabalho de Marcelo Checchia, responsável pela pesquisa do conceito de política na obra de Lacan, contemplada na seção Thesaurus. Esse autor nos brinda, de forma lúcida e bem articulada, com um artigo que discute a afirmação de Lacan “O inconsciente é a política”. Trazendo uma articulação entre significante Um, falo e poder, ele fornece algumas chaves para entendermos o estatuto de política na obra de Lacan na sua dimensão simbólica e real.
Ainda nessa seção também contamos com o rigoroso texto do Ronaldo Torres, que pensa a articulação entre sintoma e a política pela Verleugnung, não pela vertente da constituição do sujeito perverso, mas pela relação do sujeito com o semblante. Ele propõe, com a sua leitura dos últimos seminários de Lacan, um resgate da tensão e da contradição que a Verleugnung expressa entre o saber da castração e o “saber se virar” com isso. Defende que essa seja uma forma possível de fazer laço social ao final de uma análise – política do sintoma afeita ao que Lacan denominou discurso do analista. Vale a pena acompanhá-lo nessa instigante elaboração.
A seção “Direção do tratamento” tem por texto de abertura “A política do sintoma na direção da cura”, de Dominique Fingermann. Nele, estão articulados, de forma inteligente e poética, os três tempos da cena psicanalítica orientada por uma política: a de saber lidar com a falta-a-ser e o mal-estar, “estrangeiridades” que assombram as luzes da pólis, mas que os psicanalistas sabem, são inerentes aos sintomas e à civilização.
A psicanálise, afirma a autora, “não é uma operação de guerra contra o discurso capitalista, mas é uma partida acirrada na qual estratégia, tática e política contribuem para devolver ao sintoma seu alcance político, seu ‘efeito revolucionário’”. Essa política depende do seu operador: ato, desejo, discurso, função de analista, o que justifica uma leitura cuidadosa desse artigo por aqueles que ocupam esse lugar e estão nessa função na direção da cura: uma opção ética com consequências políticas.
Verificaremos algumas dessas consequências políticas no artigo de Andréa Fernandes que, na sequência, aborda a mudança nas crenças do sujeito que procura uma análise e os efeitos clínicos disso na psicose e na neurose. Para o psicótico, haveria uma possibilidade de civilizar o gozo, favorecendo algum tipo de laço social, e para o neurótico a visada clínica seria poder deixar de acreditar no sentido do sintoma e de esperar a sua tradução.
A autora afirma com muita propriedade que aquele que procura uma análise o faz por acreditar no sintoma, por atribuir-lhe sentido e por colocar o analista na posição de sujeito suposto saber disso. Entretanto, é sabendo da articulação do sintoma com o real, com o sem-sentido que o analista, colocando em pauta a destituição subjetiva desde o início da análise, recusando-se a aceitar um tom tranquilizador do inconsciente, pode provocar mudanças nas crenças de um sujeito em análise.
Para finalizar essa seção, contamos com o artigo de Lia Silveira, que além de tecer comentários sobre o processo de alfabetização, momento de aquisição da linguagem escrita, traz considerações importantes sobre um sintoma comum na cultura: o “problema de aprendizagem”, e as respostas possíveis que a psicanálise e os psicanalistas podem dar a essa questão.
Ela parte do exame da questão pelo discurso da ciência, do saber do especialista, que trata a questão como um problema de desenvolvimento ou como interferência de algum aspecto “psicossocial”. Prossegue analisando o estatuto do sintoma para a psicanálise, como índice do sujeito e das tensões que revelam entre este e seu desejo inconsciente, e conclui apresentando uma interessante vinheta clínica para articular brilhantemente os conceitos anteriormente apresentados e demonstrar a estratégia analítica na direção da cura.
Na última parte desta revista contamos com a colaboração de Ida Freitas e Alba Abreu, que fizeram respectivamente as resenhas dos livros “Psicanálise, linguística e linguisteria”, de Sonia Borges, que se refere ao produto de uma vasta e rigorosa pesquisa teórica e prática sobre o tema; e o livro “Alteridade feminina”, de Carmen Gallano, decorrente das intervenções feitas na Universidade e no Fórum do Campo Lacaniano de Medellín, no ano de 1998. Ambas teceram comentários elogiosos ao rigor e ao estilo de escrita das autoras, recomendando fortemente a leitura.
Para concluir, deixamos a promessa da publicação no próximo número da conferência de Colette Soler em Fortaleza, sobre “Repetição e sintoma”; os ensaios da Ana Laura Prates Pacheco, Silvia Amoedo e Elisabeth Rocha Miranda; os artigos de Jairo Gerbase, Sidi Askofaré e Silvana Pessoa na seção “Trabalho crítico com conceitos”; e os textos sobre a direção da cura, por Maria Vitória Bittencourt, Conrado Ramos, Lenita Duarte, Heloísa Ramires e Tatiana Assadi. Esperamos que gostem do resultado de nosso primeiro trabalho como Equipe responsável pela publicação da Revista de Psicanálise Stylus (2011-12), que façam bom proveito da leitura desta revista, contemplando cada um destes instigantes artigos, e que possam aguardar com boa expectativa o volume II, ainda por vir no segundo semestre!
Silvana Pessoa

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1 Freud, (1930) Mal-estar na cultura. In : Obras Completas da Standard Edition. Rio de Janeiro: Imago 1974. p. 121.
2 Lacan, (1958) A direção do tratamento e os princípios do seu poder. In : Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
3 Lacan, Le Séminaire: La logique du fantasme (1966-1967, p. 236). In : Thesaurus. Stylus 22. Rio de Janeiro : Associação Fóruns do Campo Lacaniano, 2011.
4 Lacan,. O seminário – livro 7: A Ética da psicanálise (1959-60) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
5 Lacan, (1974) Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, p. 34.

Stylus 22 estará à venda em breve na sede do FCL-Fortaleza

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