segunda-feira, 12 de março de 2012



O QUE RESPONDE O PSICANALISTA? ÉTICA E CLÍNICA
6 – 9 Julho de 2012

Prelúdio 5: CLÍNICA E ESCOLA

Diego MAUTINO
Freud responde ao «mal estar na cultura» [1927] colocando em jogo um desejo do saber inédito, que ele chamou inconsciente, e inventando uma oferta nova: a psicanálise. O que Freud chamava cultura foi estabelecido por Lacan em termos de discurso[1], especificando cada «tipo» de laço social: o mestre e o escravo, o professor e o estudante, o histérico e o mestre e, finalmente, o  psicanalista e o analisante. Cada discurso faz laço e é um recurso contra o mal estar, exceto o discurso capitalista, pouco social, indiferente aos «assuntos do amor» – enlançando, particularmente, o indivíduo aos produtos –, com efeitos dilacerantes sobre a coesão social, multiplicando laços insuficientes e precários, ou mesmo tediosos. Então: existe o discurso do capitalismo e existe aquele do inconsciente.
Diante da multiplicação das ofertas para fazer frente ao mal estar na cultura, sem passar por um desejo do saber, Lacan nota, por sua vez, a especificidade da oferta de Freud: o inconsciente responde somente a quem o invoca no discurso do analista que estabelece sua praxis. Freud inicia com o deciframento dos sintomas, defrontando-se com o sentido sexual que sustenta a fantasia. Lacan encontra neste [sentido dito sexual], a «prova» da falta de relação sexual em referência ao que todos os ditos de Freud impõem a fórmula. A clínica nos ensina que tal via está constantemente aberta para o que não é nem “realidade sexual”, nem fantasia, mas sintoma – que substitui essa falta de relação, com seu núcleo real, fora de sentido[2].
De Freud a Lacan a psicanálise revela que: para o falasser, há um laço que falta – e não por acidente –, aquele que faria a relação sexual entre os corpos. O que não esclarece «isso que invisivelmente retém os corpos»[3]. Note-se que ofalasser é alguém que não vive só de pão e que seu destino é trançado com palavras que provêm da “bocca della verità[4] mentirosa; depois ele poderá assumir sua própria fala para relançar uma transmissão eventual do «estilo justo do relato da experiência»[5].
Ao diagnóstico do «mal estar» enunciado por Freud, Lacan responde fazendo obstáculo aos impasses crescentes de nossa cultura com uma crítica em ato dos dispositivos de formação clínica[6], assim como da instituição dos psicanalistas. Após seu “Retorno a Freud” (1953), cria a Escola (1964). Uma Escola não sem clínica, para lembrar que não há psicanálise sem clínica. Assim, associará à leitura dos textos fundadores, a demonstração clínica, indissociável de suapraxis: a Apresentação Clínica[7], dispositivo original, que assumimos no contexto dos  Colegiados de Clínica Psicanalítica (FCCL).
Em 1964, para se opor aos efeitos de grupo das sociedades analíticas, Lacan introduz um significante novo: Escola. En 1967, propõe um dispositivo igualmente novo, o passe. Na Escola ecoam os dois dispositivos clínicos que ele inventou. Um mais íntimo, no âmbito interno, visa fazer avançar a investigação do que diz respeito ao desejo do analista, sobre las vicissitudes da pulsão submetida ao tratamento analítico. O outro, externo a ela, êxtimo, visa redefinir e transmitir a clínica psicanalítica indissociável da teoria e da prática.
Para que o desejo transformado, que uma psicanálise pode produzir, passe à elaboração do saber específico que se deposita – com uma incidência política do ato na cultura da época –, Lacan responde com a instituição reinventada e seus novos dispositivos, retomados pelos Fóruns, Colegiados de Clínica Psicanalítica e a Escola: EPFCL.
Eis algumas razões para uma aposta e um voto: que o encontro no Rio – para o qual nossos amigos de mais além do oceano trabalham há bastante tempo – se torne um Encontro; entendido, conforme lembrava Sol Aparicio (em seu convite para o Terceiro Encontro Internacional da Escola, em Paris, em dezembro de 2011): como «[...] o encontro do que mais válido numa experiência pessoal com aqueles que exigirão que ela seja declarada, tomando-a por um bem comum»[8].
Roma, 15 de Janeiro de 2012
Tradução: Sonia Alberti
[1]      J. Lacan, «Designo o laço social com o termo discurso [...] o laço social só se instaura por ancorar-se na maneira pela qual a linguagem se situa e se imprime, se situa sobre aquilo que formiga, isto é, o ser falante.» .J. Lacan, O Seminário, livro 20: Mais ainda. Rio de Janeiro, J. Zahar, 1982, p. 74.
[2]   Cf. Colette Soler, Prelúdio n° 1, VII Encontro Internacional IF-EPFCL, Rio 2012.
[3]   J. Lacan, O Seminário, livro 20: Mais ainda. op. cit., p. 125.
[4]       Cf. A Bocca della Verità [Roma, 1632], à qual, segundo a crença popular, se pode submeter à prova da verdade, com o risco de não mais poder retirar a mão daquele que dá falso testemunho; o que evoca a obra  que Anish KapoorUntitled [London, 2006] concedeu, gentilmente, para ser usada no CCP-Onlusde Roma, e que alude à magnífica foto de sua instalação no cartaz do nosso próximo Encontro da IF-EPFCL, no Rio.
[5]  Cf. J. Lacan, «Posição do inconsciente». Em Escritos. Rio de Janeiro, J. Zahar, 1998. p. 848.
[6]  Cf. A apresentação de doentes que Lacan praticou desde 1953 até 1980, fundando um dispositivo orientado pela psicanálise e a partir do qual referiu a estrutura a três termos: o analista, o paciente implicado em sua posição subjetiva e o público de praticantes que chama o “terceiro”, na medida em que também escuta o paciente e, portanto, pode completar a discussão do material da entrevista clínica. Novidade reatada nos Colegiados Clínicos [FCCL] desde 1998, ver página: Presentazione Clinica, en www.praxislacaniana.it
[7]  Jacques Lacan, Contribuição ao 50° aniversário do Hospital Henri-Rousselle, que acolheu o trabalho das Apresentações de Doentes, um trabalho, diz «[...] do qual indicarei o que ele sabia fazer, ou seja, passar a apresentação.» L’ Étourdit, en Autres Écrits, Seuil, Paris 2001, p. 449 – tradução livre.
[8]  Jacques Lacan, Ato de fundação da Escuela Freudiana de Paris, Preâmbulo, 21 de junho de 1964. Em “Catálogo 2008-2010 da Internacional dos Fóruns e da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano”. p. 212.

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