terça-feira, 27 de setembro de 2011

Cinema no Fórum - Educação

CINEMA E PSICANÁLISE
 
Filme: Educação
Data: 24/09/2011
 
Convidado: Paulo Alves Parente Jr.
 
Retornamos nesse segundo semestre com nossa atividade Cinema e Psicanálise. Desta feita, contamos com a participação de Paulo Alves como nosso debatedor. Logo abaixo, vocês poderão conferir o texto que ele escreveu para introduzir o debate sobre o filme. Ao Paulo, nossos agradecimentos pela rica discussão!
 
Elynes Barros Lima  


“Educação”:  do pai ao mestre do adolescente.
Para o adolescente descrente de uma certa posição do Outro, sustentada pelos ideais parentais, o mestre não seria apenas aquele que sustenta a lei, de forma a reiterar simplesmente a função do pai na infância. Para o adolescente o mestre é aquele que desafia a lei. Como o pai do Édipo tropeça, o mestre, como afirma Lacan, vai ser aquele que se submete a prova da morte.¹ Certamente que, desafia-se a lei para se ter certeza dela.  O adolescente realiza um esforço, diria que se trata de uma tentativa de falsificacionismo,² para demonstrar que a lei paterna só pode ser assumida se for possível falseá-la.
Este tipo de atração por um Outro, que pode dar algo melhor do que o que foi relegado no mito familiar, é patente nas saídas de casa do adolescente, e não está presente apenas nas patologias e nas delinqüências, é o princípio mesmo que vai sustentar o deslocamento subjetivo encenado na adolescência que pode culminar com a formação de uma outra família. De acordo com o psicanalista Phillippe Julien, a precondição necessária é dada pelo imperativo bíblico, “abandonarás teu pai e tua mãe”. ³
No cinema este trajeto adolescente pôde nos ser contado com um roteiro adaptado das memórias autobiográficas da jornalista Lynn Barber. Educação (2009) é um filme britânico da diretora dinamarquesa Lone Scherfig. Nele, vemos Jenny (Carey Mulligan), uma garota de 16 anos que sonhava em estudar em Oxford e para isso dedicava seus dias de adolescente junto com sua família no subúrbio de Londres no começo da década de 60. Por se passar em um período pouco antes de eclodir importantes revoluções que mudariam definitivamente o modo dos jovens olharem o mundo e concomitantemente do mundo pensar sobre a juventude, vemos uma singela apresentação dos conflitos de uma jovem prestes a se tornar mulher.
Um impasse se instala aos poucos, à medida que ela conhece um homem mais velho, David, e por ele se apaixona. Jenny, descobre ao lado desse homem que, para que tudo que esperou até agora fosse possível, ela teve que ignorar uma parte sedutora do mundo. As luzes da cidade, os restaurantes finos, concertos e leilões de obras de arte, assim como as cigarrilhas russas que, até então, eram inacessíveis, de repente passam a serem objetos legitimamente saboreados. Se em determinado momento crucial da trama ela se volta contra seus mestres escolares e zomba de seus pais, tão inocentes quanto ela acerca da verdade, é para cobrar algo que teve que ser escamoteado pela parafernália institucional. Daí, as experiências sexuais e a vivência de um amor na adolescência tornam-se o golpe da graça que impulsionam a denúncia da falência do ethos civilizatório e o seu caráter mortífero pela renúncia do desejo.
Assim, ela se retrata dizendo que agora não é bastante educá-la e preciso que digam por que fazem isso.  Ao rechaçar o seu ideal educativo, Jenny, ao mesmo tempo, recria palavras paternas, ouvidas agora na boca de David. Este homem lhe envolve despercebida em uma atividade suspeita, mas ela segue se deixando seduzir com a oferta de uma vida aventureira e fora da lei.  Contudo, será uma outra descoberta  que nos faz questionar o que pode uma mulher suportar por amor a um homem. Um amor que aceita e até busca avançar para além dos imbróglios da lei parece ser um destino para o fantasma feminino, tanto quanto, pode introduzir seu aspecto mais sombrio, de ali encontrar-se com os rastros de uma Outra. Jenny desse ponto retorna.
Se o filme retrata a adolescência como possibilidade de experimentar uma alternativa forçada, ele não deixa de ressaltar que, de qualquer forma, não é sem passar por ela que o sujeito consente em seu desejo. Pois bem, certamente há um custo pelo desejo, e ele é caro. Quer dizer, há um preço a pagar por nossas escolhas, por nossa relação com a castração. Esta como doença irremediavelmente humana* impõe uma questão ética que orienta a psicanálise e que pode encaminhar o adolescente no efeito do encontro com o analista. 

 ¹ Jacques Lacan. (1969-1970) O seminário, livro 17: o avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.1992.
 ² David Papineau, "Methodology"  in  A. C. Grayling (org.), Philosophy: A Guide Through the Subject, Oxford University Press, 1998, in http://aartedepensar.com/leit_falsificacionismo.html
³ Phillipe Julien.  Abandonarás teu pai e tua mãe.  Rio de Janeiro : Cia de Freud. 2000
* CAMON, Ferdinando . La maladie humaine. Paris : Gallimard. 1984


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