Análise, supervisão e desejo do analista: enlaces e desenlaces.
Lia Silveira
O famoso “tripé” da formação do analista: análise (um), supervisão (dois), estudo teórico (três) talvez seja o ponto pacífico para a maioria das entidades psicanalíticas. Desde a IPA até a Escola lacaniana, todos repetem isso que já virou quase um bordão. No entanto, chama a atenção o quanto a supervisão resta, muitas vezes, esmaecida. Ou, pelo menos no que diz respeito à elaboração desta experiência, não é frequentemente lembrada. No entanto, este dispositivo tem um lugar de fundamental importância, não só para a formação no que diz respeito ao exercício da clínica, mas também (é o que quero desenvolver aqui) pelo que ela pode apontar do desejo do analista.
Comecemos então sacudindo um pouco esse “tripé”.
Comecemos pela palavra: tripé vem do latim tripes - edis, que tem três pés. É um instrumento que fixa, que torna estático. Seria essa a função do tripé da formação? Torná-la estática, um lugar confortável onde se instalar? Acredito que não, e é aí que podemos recorrer ao significante que, em sua equivocidade, nos permite sair do impasse. Em português não temos somente “pé”, temos o “pé-de-vento”, o “pé-de-moleque”, o “pé-de-planta”, o “pé-de-valsa”... e por falar em valsa, por que não pensar a supervisão, a análise e estudo teórico como três pés que dançam, que bailam, se encontram e se afetam?
Comecemos pela palavra: tripé vem do latim tripes - edis, que tem três pés. É um instrumento que fixa, que torna estático. Seria essa a função do tripé da formação? Torná-la estática, um lugar confortável onde se instalar? Acredito que não, e é aí que podemos recorrer ao significante que, em sua equivocidade, nos permite sair do impasse. Em português não temos somente “pé”, temos o “pé-de-vento”, o “pé-de-moleque”, o “pé-de-planta”, o “pé-de-valsa”... e por falar em valsa, por que não pensar a supervisão, a análise e estudo teórico como três pés que dançam, que bailam, se encontram e se afetam?
Um, dois, três ... um, dois, três... (pensem na contagem do tempo na valsa!) É sobre isso que eu queria falar, porque a minha hipótese é de que o desejo do analista é o que permite essa dança, impedindo que se congele feito estátua, os três pés no chão.
Para Lacan, o desejo do analista é algo que só pode manter-se de pé ao final de uma análise. É quando o sujeito, até então analisante, experimenta, em ato, o vazio do circuito pulsional do qual se fez, como objeto, o fecho. Ao extrair o gozo que tamponava esse vazio, o sujeito pode reconhecer-se aí, desvelando a verdade mentirosa que encobria o seu desejo e justificava como uma espécie de álibi a sua impotência em sustentá-lo. É esta operação que vai permitir consentir com o desejo do analista.
Mas, é fato da experiência, os sujeitos, muitas vezes, não esperam o final da análise para começar a sustentar uma clínica. De quando em quando entra-se nisso completamente inadvertido, as vezes tem-se pequenos vislumbres do que mais tarde vai permitir sustentar essa prática, mas isso ainda é tênue. Por outro lado, tendo essa clínica iniciado, ela convocará o desejo, os encontros com o real. Todo mundo que começa a atender se dá conta disso, em algum momento.
E aí, quando o desejo do analista ainda não pode ser sustentado, o que responde é a angústia. Não se fala muito da angústia do lado do analista praticante, mas Lacan fala dela no seminário 10: “quando o analista inicia sua prática, não é impossível, graças a Deus, que, por mais que se apresente uma ótima disposição para ser analista, ele sinta, desde sua primeiras relações com o doente no divã, uma certa angústia.” (p.13) Vejam que Lacan, chistosamente, dá graças a Deus por essa angústia. Acredito que seja pelo fato de que angústia e desejo serem topologicamente congêneres. Então, a presença da angústia do lado do analista praticante é, antes de tudo, um guia que lhe permitirá explorar as veredas do seu desejo, remetendo-o então... à sua análise. Um, dois três...um dois, três..
Assim, podemos pensar sobre o tema a partir de duas perspectivas: a dos enlaces e desenlaces da supervisão e seus efeitos para a clínica do analista praticante; e a dos enlaces e desenlaces da supervisão e seus efeitos para a análise do analista praticante.
A primeira vertente é a mais óbvia, desde Freud isso se coloca. A supervisão surge nesse tripé como o lugar onde o operador necessário do “desejo do analista” vai poder se colocar (considerando que o supervisor é um analista que já chegou na sua análise ao ponto de poder sustentá-lo) enquanto a análise do analista praticante ainda não o permite fazê-lo.
Mas é quanto a segunda vertente desses enlaces que eu mais me surpreendi e gostaria de compartilhar com vocês. Queria dar aqui dois exemplos de como a supervisão se enlaça com o tempo da análise e remete a ela:
a) Um analista praticante assiste a um seminário teórico sobre a histeria. Ao final, resolve pedir supervisão ao ensinante que ministrava o seminário. Sua questão sobre o caso era acerca do diagnóstico: há dois anos escutando essa pessoa e a questão do pai não se colocava. Seu lugar no caso era uma incógnita já que não surgia espontaneamente na fala, e mesmo quando convocada, as respostas eram evasivas. Seria então uma psicose? Inicia-se a supervisão, o analista praticante relata o caso, a partir do que ouviu, e coloca essa questão diagnóstica. Primeira pergunta do supervisor: porque você achou que eu podia lhe ajudar com esse caso? A resposta foi: porque eu achei interessante as coisas que você falou sobre o lugar do pai na histeria. A resposta veio apontando para o ato: “então você já respondeu a sua pergunta quando pensou em me procurar: trata-se de uma histeria. Se o pai não aparece é porque ele está deliberadamente escondido para que ele possa ser salvo. Procure isso.” Um tempo depois, na análise, foi possível perceber como essa intervenção apontava para algo do ato, sustentado pelo desejo do analista, embora ainda não sabido, naquele momento pelo analista-praticante. Um, dois, três... um, dois, três...
b) Um analista praticante manda uma mensagem para marcar uma supervisão com seu supervisor. Ao escrever, faz um lapso: me avise quando estiver “porta”, ao invés de “me avise quando estiver “pronta”. A supervisora chistosamente responde: “já abri a porta!”. O que vai se desenrolar nessa supervisão eu não vou contar aqui, mas posso dizer que algo do que aí se passou teve um efeito ao apontar exatamente para o que impedia o desenganchar de um impasse na análise, abrindo a "porta", literalmente. Mais uma vez, foi o trabalho da análise que permitiu ao sujeito poder atravessá-la. Um, dois, três.. um, dois, três...
... E o desejo do analista como quarto elemento, enlaçando essa valsa.
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