O Um e o Dois na vida erótica
Antonio Quinet
A vida sexual dos seres humanos é atravessada pelo inconsciente. O sexual não é natural. O sexo é desnaturalizado por sermos seres de linguagem. O ser humano é um ser-para-o-sexo. Ele é, ao mesmo tempo, falta-a-ser e fala-a-ser. Falta-a-ser porque o ser a ele se furta e a pergunta “quem sou eu?” não cessa de se escrever. E fala-a-ser por ser falante e o sexo estar inscrito em seu corpo libidinal passando pelos desfiladeiros da linguagem que estrutura o Inconsciente. Esse fala-a-ser, nos diz Lacan, é um corpo falante.
A resposta da ciência e da religião foi: a reprodução da espécie humana. E isto devido à diferença sexual anatômica pênis x vagina e do ato sexual como cópula promotor do encontro do espermatozoide com o óvulo. Essa resposta, na verdade, se depositou no imaginário até hoje em que a reprodução da espécie não é mais uma prerrogativa do sexo. Pois se isso caiu com o tempo, permanece, no entanto, para o senso comum, como fonte de tantos preconceitos que se sustentam na imagem do encaixe, como a chave na fechadura. Esse encaixe povoa o imaginário da vida sexual e afetiva do ser humano que sempre aspira a fazer Um na cama e na mesa. No Um do sexo esse imaginário vai desde o abraço até o sonho de gozar exatamente ao mesmo tempo e na mesma posição de preferência “papai e mamãe”. No imaginário do amor, o fazer Um muitas vezes se transforma no desejo de fazer Um filho. O imaginário do fazer Um enlaça o Dois no modelo do encaixe. Mas sabemos que o desejo de ter um filho não depende do amor. Ele é inerente à sexualidade feminina, como dizia Freud, podendo ser realizado, recalcado ou sublimado.
O encontro entre dois seres sexuais que falam é da ordem do “acaso”, não se programa, ele acontece. É o que Aristóteles chama de a causa acidental, a tychéque pode ser eutiquia um bom encontro ou distiquia um mau encontro. Se é um mau encontro seguramente não haverá laço e se for um bom encontro nada garante que o fará. O bom encontro promete o laço mais nem sempre se cumpre. As falas de amor durante o encontro sexual são promessas vãs. No dia seguinte o telefonema não vem. O laço do encontro se rompeu e a saudade ficou.
A recordação do gozo do encontro exige repetição e pede mais e mais e mais. Pede encore, pede um corpo, pede o reencontro corporal. Mas a repetição não é laço, é a repetição do Um do gozo, a repetição do Um sozinho que comemora a irrupção do gozo. Trata-se de Um S1 que se repete. O encontro é da ordem do Um do gozo e há sempre exigência de repetição desse gozo... O que não deve ser confundido com o amor. Mas é claro que esse gozo do Um pode ser o catalizador do laço do Dois do amor. E virar assim o encontro para a vida toda. Mas não é a regra.
Aliás não há regra alguma nem para o amor nem para o sexo. É tudo desregrado. Pois a exigência da repetição do Um do gozo não está predestinado ao laço do Dois do amor. Não há discurso estabelecido e estável do laço amoroso. O amor é louco – está fora do discurso como laço social dentre os que estruturam nossa civilização. O amor é incivilizável, ele prega a desobediência civil. Ele se inventa a cada toque, a cada batida, a cada batimento seja dos lábios, do tambor ou do coração. E no horizonte do entardecer se ouve uma clarineta riscando o azul.
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