Comentário de Andréa Brunetto (FCL-MS - AME da EPFCL)
Melancholia, de Lars Von Trier é um filme sobre o fim do mundo. Essa metáfora começa representada por três cenas que são cópias de três quadros. O primeiro, creio que de Magritte, com pássaros mortos caindo do céu. Que essa seja uma mensagem do fim do mundo já é batida, foi usada em muitos filmes e não está no Apocalipse também? O segundo é um quadro - tenho uma dúvida - de Brueghel ou Avercamp e o terceiro, Justine morta, no rio, com as flores sobre o colo, é A morte de Ofélia, de J. E. Millais. Só ai já podemos saber qual é o fim do mundo para Justine: o fim do amor. É uma visão do filme: para uma mulher, a morte do amor, a perda do amado é a explosão de um planeta.
Há mais uma coisa que, parece-me, é para assegurar que o fim do mundo é o fim do amor: a música de abertura é Tristão e Isolda de Wagner. Com Tristão e Isolda e Ofélia, Justine é a própria encarnação do amor impossível, da mulher abandonada, atormentada. Vejam só que é Wagner, o compositor preferido de Hitler que abre o filme de Lars Von Trier. Nisso ele também pode entender Hitler? No gosto por Wagner? Wagner virou um compositor proscrito depois que Hitler gostou dele, de sua obra. Tem inúmeras orquestras e países em que ele não pode nem ser tocado, mencionado. Dizer, em Cannes, que poderia entender Hitler também foi uma metáfora de Lars von Trier? Como eu não tenho nada contra Wagner, aliás acho um grande compositor, estou escutando agora, enquanto escrevo para vocês, Abertura e Morte do amor de Tristão e Isolda, de Wagner. Música soberba.
Os personagens masculinos são absolutamente patéticos no filme. Começando pelo pai de Justine e Claire. Um homem para quem todas as mulheres são qualquer uma, para não cometer enganos já chama todas de Beth. A filha Justine passa o filme todo apelando para ele escutá-la e ele não está nem aí. No último apelo, quando pede para ele dormir lá, ele deixa a carta sobre a cama, dizendo que não pode e escrito assim ?para minha filha Beth?. Até a filha é qualquer uma, que ele não tem de dar atenção. O chefe de Justine é um pulha capitalista que só pensa em money; o marido de Justine, a quem ela pede que espere por ela, a deixa e o que parecia mais confiável, o rico marido de Claire, é o primeiro a sucumbir ao medo quando o fim se aproxima. Suicida-se, deixando as mulheres e o próprio filho sozinhos. Os homens são todos uns covardes nesse filme de Lars.
O filme é também sobre como as crianças devem ser protegidas do horror. Claire e Justine não o foram. Nunca. Nem no dia do casamento de Justine, seus pais têm o cuidado de não colocar seu ódio e pessimismo em jogo. Pelo contrário, expôem suas mazelas sobre as filhas. O marido de Claire, que a protegia das verdades, não fazia isso com o filho. Pelo contrário, não dava nenhuma esperança a ele: tudo caminha para o fim e pronto.
É a personagem Justine quem o faz: a colisão do planeta, morte do amor e fim da vida, sempre chega, mas agora podemos nos proteger nessa caverna mágica.
Estou aqui relendo a entrevista que Lars von Trier deu para a Veja em 7 de setembro de 2011. Ele diz que a depressão é o fim do mundo. E conta de sua mãe cruel. Mãe cruel é a de Lars von Trier. O resto é fichinha perto dela. E nessa entrevista ele nos dá a chave para entender seu Melancholia: ele diz que 'as personagens femininas sou eu". E continua: "bolei um truque muito esperto ...O que faço é escrever um filme sobre mim, dividindo-me em dois personagens masculinos. Dai escrevo vários papéis femininos - todos de mulheres que são idiotas, idealistas ou covardes. Clichês, enfim. Mas, na hora de começar a roda, inverto os papéis: os masculinos se tornam femininos, e vice-versa". Vejam então que ele é Justine e Claire, ao mesmo tempo. Dois personagens que primeiro ele pensou masculinos e depois viraram mulheres.
Mas o porque a mãe dele é um horror: antes de morrer, toda entubada, no hospital, conta-lhe que o homem que ele pensou a vida toda que fosse seu pai, não o é. Seu pai é um amante que ela teve por longo tempo. E se vai, sem explicar mais nada, sem ele poder brigar, peguntar, descobrir a verdade. Assim, desolado, tendo perdido o pai e a mãe ao mesmo tempo - o que sobra de um amor maternal depois disso? - lhe sobrevêm a depressão, e esse "fim do mundo" tem lhe acompanhado há muito. Pelo que ele conta nessa entrevista, dessa tragédia humana, ele fez uma metáfora, uma bela metáfora sobre o amor, a verdade e a vida. E também sobre as covardias. Sejam de homens ou de mulheres, não importa.
Depois desse filme e dessa entrevista, minha admiração por Lars von Trier só fez crescer.
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