terça-feira, 7 de maio de 2019

Um lugar para a palavra


Lina Cavalcante, coordenadora de cartéis e coordenadora da VII Jornada de Cartéis (2019)
Gostaria de colocar aqui algumas palavras sobre a experiência marcante que foi coordenar a VII Jornada de Cartéis. Quando acabei de ler todos os trabalhos percebi que essa seria uma jornada, além de muito interessante, totalmente de acordo com os tempos e anseios desse período difícil pelo qual o Brasil está passando. Li atentamente cada trabalho, no um a um, mas também com a noção do coletivo que formavam por estarem organizados em um mesmo espaço e em tempos próximos. Foi possível imaginar a costura, os furos, as tensões, as concordâncias e discordâncias. Então, eu já imaginava que essa jornada tinha muitas possibilidades de desdobramentos, mas ela foi ainda mais plural do que eu tinha pensado.
Começamos com a psicanalista Maria Lívia Tourinho, do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo, que falou sobre “Abordagem psicanalítica do sofrimento nas Instituições de Saúde”. Chamou a minha atenção as várias vezes em que ela se disse confortável de estar naquele lugar. “Talvez aqui seja mais fácil dizer isso que em outros lugares”, “Eu estou muito a vontade porque aqui realmente estou me sentindo em casa”. Isso para mim diz muito do que foi a jornada, pois ali se pôde dizer muita coisa que, no momento atual, não tem sido tão possível. Volto a isso mais adiante.
 A fala da Maria Lívia Tourinho era voltada para sua experiência em hospitais e universidades, mas abordava principalmente o lugar da psicanálise. Ela nos disse que o lugar do psicanalista nas instituições é efêmero e que “o psicanalista é um lugar, não é um cargo”. Um lugar que precisa ser construído e que depende mais do psicanalista do que da psicanálise. A partir daí, começa a colocar os pontos que considera importantes na construção desse lugar. Destaco também as perguntas da Sandra Mara Nunes Dourado (EPFCL- Brasil Fórum Fortaleza) e da Zilda Machado (EPFCL- Brasil Fórum Belo Horizonte), que fizeram um enlaçamento sobre o que ela trouxe e a importância dos cartéis. Maria Lívia disse que na seleção dos candidatos que vão para as instituições, sempre pergunta: e a sua formação? E nas respostas costuma aparecer um comum equívoco dos candidatos, de que a formação aconteceria ali, naquelas instituições de saúde, sob a supervisão deles.
Depois da convidada seguimos às mesas. Foram quatro. Não vou falar de cada uma porque isso estenderia demais e eu não sei que tipo de contribuição poderia dar. Cada mesa foi especial ao seu modo. Mas é preciso destacar que o tema do feminino, das teorias de gênero, de como a psicanálise dialoga com elas, dos transexuais, homossexuais, dos nomes, das palavras. Enfim, essa temática apareceu em mais de uma mesa. E foi importante. Aí volto à frase da Maria Lívia, grata por poder dizer tudo aquilo ali. Ela não pôde ficar para as mesas e nem sabe que sua frase para mim acabou ecoando em toda a jornada.
Mas eu, cada vez que ouvia um trabalho, pensava na importância de se poder dizer tudo aquilo. E na importância de que nós, do Fórum do Campo Lacaniano de Fortaleza, pudéssemos escutar e também propiciar um espaço para que essas questões pudessem ser faladas e ouvidas. Que bom que a jornada tenha sido esse lugar onde a palavra teve seu espaço mesmo em tempos difíceis como os de hoje. E, vejam, eu escrevi esse relato no dia 31 de março, um dia após a jornada. No dia 31 de março. No dia que marca um período onde não se poderia jamais fazer a jornada que fizemos. Um dia que foi comemorado por alguns em pleno 2019, em uma homenagem a um período onde não se poderia falar com liberdade. Fizemos a jornada nesses tempos onde se fala em retomar um passado de censura e de tentar aniquilar as diferenças. Estou agradecida por essa experiência.

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