domingo, 22 de novembro de 2015

IX Encontro Internacional - Prelúdio 7



Estar submergidos no banho da linguagem precipita o laço

Patricia Muñoz

A fotografía não é nem uma pintura nem… uma fotografía; é um Texto, quer dizer, uma meditação complexa, extremamente complexa.

Roland Barthes

Para meu prelúdio, quero servir-me tanto do título como da imagem do cartaz de nosso IX Encontro internacional dos Fóruns e V Encontro de Escola. No título “Enlaces e desenlaces segundo a clínica psicanalítica”, entre “Enlaces” e “Desenlaces” há intermediação do Y em espanhol (em italiano e português é “e”; em francês, “et”; em inglês, “and”). O Y é o ípsilon grego ὒψιλόν; é uma conjunção copulativa cujo ofício é unir, enlaçar. Este Y nos remeteu desde o primeiro momento ao Triskel que Lacan nos dá como modelo reduzido do nó. Creio que foi um feliz achado.

Enlaces, nó, desenlaces. O que se enoda ou desata. O triskel é uma maneira de simbolizar o nó borromeano, nó que enlaça as três consistências próprias do ser falante, aquele que está submergido na linguagem: Simbólica, Real e Imaginária. Nó que permite ao corpo socializar-se, entrar em um laço social, converter-se em corpo civilizado. Nó que enlaça os semblantes e o real e que, certamente, pode ter erros, mas em que, numa análise, se pode fazer suturas e junções. “O coração, o centro do nó” [1], assim Lacan o chama.

Há uma razão de estrutura para o triskel: nenhum Deus se sustenta se não for tríplice. Por isso, Lacan lhe deu uma forma que se chama “real”. O real é três porque não há relação sexual que possa escrever-se; o furo que essa falta abre e que é tamponado pela linguagem impede que o sujeito tenha acesso ao real. Lacan nos dirá: “O ponto de partida de todo nó social se constitui pela não – relação sexual como furo, não de dois, mas de pelo menos de três.”[2]

A imagem do nosso cartaz é uma fotografia de Carlos Eugenio Tobón Franco, que lhe deu o nome de “Penetração”. Penetrar tem diferentes acepções: não é apenas “entrar”, é também “passar”. A linguagem nos penetra porque estamos submergidos nela.

Mas “penetração” significa também “decifração”, “perspicácia”, “engenhosidade” e, em psicanálise, nos remete à interpretação, da qual Lacan nos disse que, mais do que dar sentido, deve produzir ondas. “A linhagem, a ascendência já nadava no mal entendido”, nos diz Lacan, pois os pais modelam o sujeito nessa função do simbolismo através da maneira em que instilam nele um modo de falar.

A fotografia captura um instante efêmero: o impacto contra uma superfície de água que a estilhaça em gotas que atravessam, penetram nessa superfície. Instante que nos evoca os encontros do apalavrado pela linguagem; momentos de algo ouvido, mas não compreendido, momentos muito precoces do banho da linguagem que permitem a animação do corpo de gozo.

Na “Conferência de Genebra”, Lacan nos diz que “há algo nela [a criança], uma peneira que se atravessa, através da qual a água da linguagem chega a deixar algo para trás, alguns detritos com os quais brincará, com os quais necessariamente ela terá que desembaraçar-se. É isso o que lhe deixa toda essa atividade não reflexiva – os restos aos quais mais tarde – porque ela é um prematuro – se agregarão os problemas do que vai assustá-la, graças à coalescência dessa realidade sexual e da linguagem.”[3]

E em “Radiofonia”, para exemplificar a diferença entre a carne e o corpo, Lacan traz a metáfora das nuvens como gozo. Ele nos diz: “Não é o que se dá com toda carne. Somente das que são marcadas pelo signo que as negativiza elevam-se, por se separarem do corpo, as nuvens, águas superiores, de seu gozo…” [4] E mais tarde acrescenta: “A nuvem espessa da linguagem… faz escritura.” [5] Podemos ler os riachos que deixam marca, a marca metafórica da escrita, a marca que a linguagem deixa; esses riozinhos que se ligam a algo que vai mais além do efeito da chuva, mas que o ser falante pode ler: a impossibilidade de se inscrever a relação sexual. Lacan utiliza a possibilidade que a língua francesa lhe oferece, graças à qual lier e lire (enlaçar e ler) são palavras que têm as mesmas letras. É somente por falar que o que se escreve e deixa marcas tem a ver com a solidão.

É pela linguagem que se podem estabelecer laços sociais entre os corpos. Pelo simples fato da linguagem, precipita-se o laço social; as configurações de enlaces e desenlaces entre os humanos supõem as três dimensões: Real, Simbólica e Imaginária. Como nos diz Lacan no Seminário RSI, nas três identificações de Freud, “há tudo que falta para ler meu nó borromeano… pois, com elas, ele chega propriamente a designar a consistência como tal” [6], como enodamento do imaginário, do simbólico e do real.

Enodamento de um mínimo de três, de tal modo que, separando-se um deles, os outros dois não podem manter-se juntos. Nó borromeu presente não apenas nas estruturas clínicas e no sintoma, mas também no enodamento diferente que se faz ao final da análise.

Enlace, triskel, desenlace. É pela possibilidade de enodar os três registros que, submergido na linguagem, o sujeito pode fazer laço social, com a consequente perda de gozo e a não relação sexual.

Patricia Muñoz. Medellín, 25 octubre 2015

(tradução: Vera Pollo)

[1] Jacques Lacan, Seminário RSI, aula de 15 de abril de 1975 [Inédito].

[2] Jacques Lacan, Seminario RSI, aula de 15 de abril de 1975 [Inédito].

[3] Jacques Lacan, “Conferência em Genebra sobre o sintoma”, em Intervenciones y textos 2, Buenos Aires, Manantial, 1991, p. 129.

[4] Jacques Lacan, “Radiofonia”, em: Outros Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 407.

[5] Jacques Lacan, O Seminário, livro 20: mais, ainda.

[6] Jacques Lacan, Seminário RSI, Op. cit.

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