quarta-feira, 16 de novembro de 2011

III Encontro Internacional da Escola - Prelúdios 7 e 8


ALTERAÇÃO DO FIM
Marie-José Latour

Ao contrário das séries televisivas que prometem “sequência  e fim” [suite et fin], nossa Escola anuncia “A análise, os fins e as sequências”. Alguns encontrarão elementos para ler nesse título a confirmação de que uma psicanálise é realmente muito longa, e até mesmo tão longa que não termina! Ledos sonhadores que não querem saber até onde vão empenhar a esperança insensata de uma eternidade! A impertinência da inversão dos termos é congruente à reviravolta da cronologia produzida por uma psicanálise e nosso título coloca o problema em termos lógicos: como concluir aquilo que não admite o fim?
            Com efeito, a transferência, que só pede para durar, o inconsciente inesgotável e a vida que continua excluem a possibilidade de colocar o fim de uma psicanálise em termos de advento da última palavra ou do último passo. Então, a questão não seria tanto como terminar quanto prosseguir até o fim?
            No fim de seu filme In girum imus nocte et consumimur igni, Guy Debord havia feito aparecer ao invés da tradicional palavra “fim”, a frase “retomar desde o começo”. Mas uma psicanálise não é um palíndromo e se o fim não é sem consequência é precisamente porque se espera de um psicanalista que se passe algo ali. Que algo se passe ali e que não seja somente da ordem da peripécia, mas que vise o ponto em que a narração se separa da hystoria. O dispositivo inventado por Lacan, o passe, é propício a recolher essa mudança de plano. Assim, na falta daquilo que a malícia da língua nomeia como um belo fim ou um não fim, teria uma psicanálise um pós-fim?
            No campo literário, o epílogo é a última parte de um texto que vem dizer, depois do fim, o que aconteceu. Mas anteriormente, era o nome dado ao pequeno discurso em verso recitado por um ator no final de uma representação para pedir aos espectadores sua aprovação. O epílogo indica, portanto, que há material de sobra para dizer ainda, “um dizer mais além”. A partir daí, não se trata tanto de elucidar quanto de fazer reverberar, não tanto de produzir um segundo fim quanto de reiniciar.

            Se a peroração de uma psicanálise não fecha nenhum caminho, ela vale por aquilo que ela indexa do “aberto”. Alterar os fins pelas consequências pode contrariar a tentação da conivência que reduz as falhas, encerra o pensamento, estreita a elaboração, ameaça a alteridade. A alteração do fim tem a chance de produzir essa linha de instabilidade na qual se mantém aquele que aprendeu de sua experiência psicanalítica aquilo que sua singularidade deve ao comum.

Agosto de 2011.

Tradução de  Cícero Oliveira
Revisão de Dominique Fingermann

O ATO DO FINAL DA ANÁLISE E SUAS CONSEQUÊNCIAS
José Antonio Pereira da Silva

Há hoje uma ampla teorização a respeito do final de análise. Percebemos que Lacan no seu ensino retirou este momento da análise de um referencial cronológico para um lógico. No Seminário O ato psicanalítico[8], Lacan caracteriza a função da psicanálise como instituindo um fazer pelo qual o analisando obtém certo fim, fim este que ninguém pode fixar claramente.
            Ao indagar sobre as relações do final de análise com o ato analítico, encontramos Ida Freitas[9] dizer que se o final da análise é um ato, é dizer que é sem sujeito, que é sem cálculo possível para o final da análise, não existe o tempo certo, o tempo exato, nem antes ou depois.
            Para Lacan, o que está no centro da definição do ato psicanalítico é a acepção de o analista ser rejeitado à maneira do objeto a; o analista ser rejeitado como merda. Ele chega a dizer, não há apenas merda no objeto a, mas frequentemente é a título de merda que o analista é rejeitado[10]. Esta é a formulação de Lacan para o final da análise no seminário sobre O Ato Psicanalítico.
            O objeto a, enquanto aquele que ocupa a função determinante do desejo, mascara um oco, um vazio, que esconde a falta fálica, esta coisa que falta no centro da relação do homem e da mulher. Trata-se precisamente disso, apontou Lacan, que não se tem jamais o saber do outro sexo[11]. Isso resulta na admissão da castração, quer dizer, em uma certa verdade que é a de sua impotência, da sua impotência em fazer, algo de pleno do ato sexual.
            O final da análise, aponta Soler[12], não é identificável pelo fato da castração, uma vez que a castração não conhece “cessa”. Não é um impasse sobre a castração, mas um impasse sobre a posição do sujeito em relação à castração. Freud, em “Análise terminável e interminável” [13], conclui que no final da análise se deixe ao sujeito a decisão, e até mesmo a escolha de uma posição.
            Há, portanto, um final de análise. Vamos colocá-la aqui a partir do que Lacan chamou de momento do passe, como uma metamorfose do sujeito, ao fim. Há um final de análise que consiste em ter aprendido uma espécie de saber fazer aí com seu mais-de-gozar, para fazer servi-lo; para “se fazer ser” por suas obras e por seus amores. O sujeito analisante no final da análise que se experimenta como falta-a-ser, encontra uma posição de ser que cuida da sua falta-a-ser. O analisante no final recebe a chave de sua divisão – elabora um saber -, constrói sua história, verifica a causa do seu desejo.
            O saber não é a última palavra da psicanálise, é o que nos mostra Soler[14], pois existe uma falha estrutural no saber, o significante não dá conta de tudo, ou seja, quaisquer que sejam os significantes, as palavras produzidas jamais reduzirão o “menos um” que neles existe. Se não há todos os significantes, há o objeto a, que vem onde o significante não responde. O saber adquirido é duplo: saber do impossível, mas também saber da singularidade. O analisante tem uma espécie de panorama sobre o que o distingue, sobre sua maneira própria de fazer com a sua falta e de compensá-la.
            O sujeito transformado pela análise se definirá por uma nova relação com a castração e com a pulsão. Este seria um outro ponto, além da castração, que esperamos de uma psicanálise, onde a pulsão com a sua plasticidade, a qual pode tomar diversas formas como disfarçar-se, mudar de figura, de objeto, de via, até alcançar a satisfação, condiciona todas as realizações humanas. Por exemplo, a pulsão oral, nenhuma comida pode satisfazê-la, mas, ao mesmo tempo, qualquer coisa pode satisfazê-la parcialmente. O oposto a isso, nas pulsões, é a sua inércia.
            Dessa forma, observamos que parece existir um deslizamento infinito no gozo pulsional na metonímia do discurso e das atividades que se ordenam através desses discursos. É o que me parece levar Soler[15] a sugerir que todas as buscas, os esforços no campo profissional ou no campo do amor, todas se geram da perda primária, mas se sustentam positivamente com o deslizamento do gozo pulsional na metonímia. O que quer dizer que todos os objetos são postiços, tanto nos homens como nas mulheres, todos os objetos, em todas as atividades, são postos no lugar em que uma parte de gozo foi perdida e reencontrada em um objeto sempre postiço.
            A análise no seu final pode dar a possibilidade de uma nova escolha do sujeito, de um novo desejo, ou ao menos de um novo efeito de desejo. Eu diria, para um analista, teria como consequência, a escolha pelo desejo de saber – Wisstrieb.  Uma vez circunscrito à castração, que é a causa do “horror de saber” que é o recalque, é da queda desta causa que pode emergir o desejo de saber do analista. E assim se produzir um analista.
            Esses e outros pontos da análise, fins e consequências serão amplamente debatidos no 3º Encontro Internacional de EPFCL em dezembro de 2011 em Paris. Até lá.
                                                           Salvador,  julho de 2011.

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[1] Soler, C. In:Debates sobre o passe”. Madrid. 10 de junho de 1991. Publicação do colégio de Psicanálise de Madrid.
[2] Lacan J. In: Séance de travail su la passe”  3/11/1973. Congresso da EFP novembro de 1973. Publicação em Lettres de L’EFP número 15 junho de 1975. Tradução: Irene M. Agoff de Ramos para divulgação interna na Escola Freudiana de Buenos Aires.
[3] Lacan, J. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista de Escola, p.260.
[4] Lacan, J. “Discurso à E.F.P. de 6 de dezembro de 1967” documentos de trabalho número 1.Tradução de Hèlène Déjean revisada por Vicente Mira.divulgação interna, p.279.
[5] Clastres, Guy. Comentários ao texto de J. Lacan.  “Notas sobre a eleição de passadores de 1974” em “Debates sobre o passe”.  Madrid, Sessão de 5 de abril de 1992. Publicado pelo colégio de Psicanálise de Madrid.
[6] Lacan, J.  “Nota sobre a eleição de passadores”. 1974.
[7] Clastres, Guy op.cit
[8] Lacan, Jacques. O Ato psicanalítico: O seminário, Livro XV [1967-1968]. Inédito, Xerocopiado.
[9]Freitas, Ida. Final de análise: Decisão ou Ato? Coletânea: O Ato Psicanalítico. Salvador: Associação Científica Campo Psicanalítico, 2003.
[10] Lacan, Jacques. O ato psicanalítico, op. cit., p. 269.
[11] Id., Ibid., p.271.
[12]Soler, Colette. Que final para o analista? [1989]. In: A psicanálise na civilização. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1998, p. 312.
[13]Freud, Sigmund. Análise Terminável e Interminável [1937]. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas. Tradução de Jaime Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v23, p. 287.
[14]Soler, Colette. Que final para o analista? Op. cit., p. 319 – 320.
[15] Soler, Colette. O que posso esperar...de uma psicanálise [1993]. In. A psicanálise na civilização, Rio de Janeiro: Contra Capa, 1998. p.470.

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