quarta-feira, 25 de setembro de 2013

A EPFCL



     A EPFCL foi fundada após ser instituído um movimento de fóruns chamado de Fóruns do Campo Lacaniano. Algumas palavrinhas sobre essa expressão. A palavra campo está presente em Lacan desde o início de seu ensino: campo da linguagem, campo freudiano e campo do gozo - é este que é o campo lacaniano, tal como está no Seminário sobre O Avesso: “ ... se há algo a ser feito na análise é a instituição desse outro campo energético, que necessitaria outras estruturas que não as da física, que é o campo do gozo. No que diz respeito ao campo do gozo - é pena, jamais será chamado de campo lacaniano, pois certamente não vou ter tempo sequer para esboçar as suas bases, mas almejei isto –, há algumas observações a fazer”. (Jacques Lacan. O Seminário. Livro 17, O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1992. p.77.) Então, como nos esclarece Maria Anita Carneiro Ribeiro (A Cisão de 1998), o movimento dos fóruns nasce a partir de uma crise que se instalara no seio da AMP, Associação Mundial de Psicanálise, que reúne diversas escolas em vários países do mundo e que estava assim constituída por ocasião de chamada cisão de 1998: a EBP (Escola Brasileira de Psicanálise), a Escola Européia de Psicanálise (com sede na Espanha), a ECF (Escola da Causa Freudiana, com sede na França e seção na Bélgica), a Escola de Caracas (com ramificações na Colômbia, Chile e Peru) e a EOL (Escola de Orientação Lacaniana, na Argentina). Essa crise na AMP acabou resultando nisso que ela chamou de Cisão de 1998, se inscreve no seio da história do movimento psicanalítico, por sua vez também marcada por crises e cisões. "Na verdade, a dissolução está inscrita na história da psicanálise desde seu nascimento. (...) a idéia de uma dissolução já está presente em Freud desde o início do processo de institucionalização da psicanálise."
     "A crise foi deflagrada justamente a partir da tensão entre as Escolas com sua particularidade e a organização da AMP, que aos poucos foi se tornando uma superestrutura que as abarcava. Uma Escola concebida em termos lacanianos pressupõe a permutação e a garantia. A permutação visa estabelecer o funcionamento da hierarquia (diretoria e conselho), evitando que essa se perpetue no poder, e a manutenção de sua separação do gradus."  Não foi o que se viu nas Escolas reunidas sob a égide da AMP. Aponto alguns problemas:
- a reconquista do Campo Freudiano como sendo uma guerra por território contra a IPA, e não a reconquista do discurso analítico; 
- o governo da AMP sobre as Escolas, e não o contrario. Como disse C. Soler, as Escolas é que deveriam orientar a AMP;
- a interferência sobre os resultados do passe, desvirtuando a política da psicanálise e tornando-a uma politicagem;
- as intrigas e perseguições de que foram vitimas alguns membros.
Isso só para citar alguns. 
     Antes que a divisão se instalasse definitivamente, ocorreu um período de debates na internet e entre representantes da AMP que vieram ao Brasil, numa tentativa mal-sucedida de ultrapassar a crise. Diante da impossibilidade disso acontecer, os membros da Escola que não se sentiam mais em condições de lá permanecer passaram a enviar suas cartas, uma a uma, de desligamento. O primeiro a fazer isso foi Jairo Gerbase, psicanalista de Salvador, que assim se expressou: 
"A comunidade analítica do Campo Freudiano está dividida em duas classes: aqueles que querem cultuar a personalidade de Jacques- Alain Miller e aqueles que querem continuar cultuando a personalidade de Jacques Lacan. 
Eu não me inscrevo em nenhuma das duas. Pensava estar aí para a psicanálise.
Adeus!"
     Mesmo antes de suas saídas, alguns membros começaram a se reunir em fóruns para debater os rumos da psicanálise e da Escola que desejavam, nascendo então esse movimento que ocorreu simultaneamente em diversos países, com o objetivo principal de contribuir para a presença e a manutenção dos desafios do discurso analítico nas conjunturas do século e que passou a se chamar Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano, cuja Carta de Princípios diz, entre outras coisas:
    "A Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano (IFCL) tem como objetivo federar as atividades dos Fóruns do Campo Lacaniano (FCL) cuja iniciativa foi lançada em Barcelona, em julho de 1998, e desenvolver entre eles novos laços de trabalho.
     Esses Fóruns encontram sua origem longínqua na dissolução em 1980 da Escola de Lacan, a EFP. Eles são oriundos da corrente que nessa data, na França, optou por uma nova Escola, a Escola da Causa Freudiana. Essa corrente se estendeu em seguida à Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Colômbia, Espanha, Israel, Itália, Venezuela etc. Após a crise de 1998, os fóruns tentam uma contra-experiência. Nascidos de uma oposição ao abuso do Um na psicanálise, eles visam a uma alternativa institucional orientada pelos ensinamentos de Sigmund Freud e Jacques Lacan.
     A Assembléia da IF, reunida em 16 de dezembro de 2001 em Paris, proclamou a criação da Escola da IF, Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL), conforme o que estava previsto em sua Carta de 1999.
Por esse fato, a IF se intitula doravante IF-EPFCL."
     O objetivo da IF se desdobra em três eixos, ainda conforme a Carta: a crítica, a articulação com os outros discursos, a polarização em direção a uma Escola de psicanálise. Ela é uma estrutura de representação e de ligação entre os fóruns, não dispondo de nenhum poder de decisão sobre a gestão interna dos fóruns que a compõem. Ela deve ser o suporte dessas conexões, tanto nacionais quanto internacionais, entre os diversos FCLs do mundo.
     No que diz respeito à sua administração, a IF-EPFCL funciona segundo o princípio de uma direção colegiada. Ela compreende duas instâncias que permutam de dois em dois anos e cujos membros não são imediatamente reelegíveis para a mesma função.
- Um Colegiado de Representantes das grandes zonas linguístico-geográficas (CRIF);
- Um Colegiado de Delegados dos Fóruns (CD);
- A instância internacional de Mediação (IIM) que permuta a cada quatro anos.
A EPFCL, por sua vez, compreende duas instâncias internacionais: - O Colegiado Internacional da Garantia (CIG) e
- O Colegiado de animação e de orientação da Escola (CAOE).
     No nosso país, A Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Brasil (EPFCL-Brasil) é o nome da associação nacional que integra os Fóruns do Campo Lacaniano brasileiros. Sugiro a leitura não só da Carta de Princípios mas também de outros textos esclarecedores no site da EPFCL-Brasil: ww.campolacaniano.com.br. Reproduzo aqui o que lá é dito sobre a Escola:
     Como o psicanalista do século XXI poderia enfrentar o desafio de fazer valer seu discurso na especificidade da ética que ele porta? Trata-se de uma discussão sobre a possibilidade de transmissão da psicanálise - com a virulência que lhe é própria - e da formação do psicanalista, interrogando a relação entre o coletivo representado pela instituição psicanalítica e o singular das análises de cada um. A necessidade e o desejo por uma Escola de psicanálise têm, nesse contexto, o sentido de tomarmos para nós a responsabilidade de deixar sem resposta a questão "o que é um psicanalista?". A aposta por uma Escola que não sobreponha o Ideal ao furo do saber absoluto mas, ao contrário, que possa suportá-lo. O princípio da permutação, os dispositivos do cartel e do passe - que merecem cada um deles uma análise detalhada - são as estruturas que tentam dar conta de sustentar um funcionamento que possibilite um tratamento analítico ao Real inerente à formação do psicanalista. 
     Uma Escola é feita para sustentar a contingência do ato analítico, dando-lhe o apoio de uma comunidade animada pela transferência de trabalho. Através das análises, das supervisões, do trabalho pessoal sobre os textos, da elaboração com vários nos cartéis, da experiência de transmissão do passe, essa comunidade se esforça para fazer circular e submeter ao controle o saber que a experiência deposita e sem o qual não há ato analítico. 
     A Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL) é internacional, e foi criada em dezembro de 2001, por votação da assembléia da IFCL, como resultado de um amplo debate sobre o que deve ser uma Escola de psicanálise orientada pelo ensino de Jacques Lacan. Suas estruturas e finalidades estão definidas no texto "Princípios diretivos para uma Escola orientada pelos ensinamentos de Sigmund Freud e de Jacques Lacan", modificada em 2006 a partir de votação de todos os membros. A Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano tem como objetivo transmitir a experiência original que constitui a psicanálise, elaborar um saber sobre isso, permitir a formação de psicanalistas, fundamentar sua qualificação e garanti-la. O funcionamento da Escola em nível internacional é assegurado por dois Colegiados: o Colegiado Internacional da Garantia (CIG) e o Colegiado de Animação e Orientação da Escola (CAOE). 
     A Escola tem como funções: 1) sustentar "a experiência original" em que consiste uma psicanálise e permitir a formação dos psicanalistas; 2) outorgar a garantia dessa formação pelo dispositivo do passe e pela habilitação dos psicanalistas "que deram suas provas"; 3) sustentar "a ética da psicanálise que é a práxis de sua teoria". 
     Os membros da Escola são admitidos nos Fóruns ou conjunto de Fóruns que agrupam mais de trinta membros sob a responsabilidade de uma Comissão de Admissão. No Brasil, essa comissão é a Comissão Local Epistêmica da Acolhimento e Garantia (CLEAG) 
     A Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano outorga uma garantia cujos títulos foram definidos por Lacan. O título de psicanalista membro da Escola (AME) é outorgado – a partir de propostas das Comissões locais – por uma Comissão de Habilitação internacional. O título de psicanalista da Escola (AE) é outorgado pelos Cartéis do Passe, compostos dentro do Colegiado Internacional da Garantia.
     Sugiro ainda a leitura dos textos e livros abaixo para quem quiser se aprofundar na história e no conceito da Escola de Lacan, e na história da cisão de 1998.
- Lacan, Outros Escritos, textos sobre a Escola
- Lacan, Documentos para uma Escola, revista da Letra Freudiana
- Quinet, A Estranheza da Psicanálise
-  Maria Anita, A Cisão de 1998
- Vera Pollo e Eliane, Comunidade Analítica de Escola

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