quarta-feira, 29 de junho de 2011

Acréscimo à bibliografia do Seminário da Escola

Caros colegas,

Segue complementação da bibliografia indicada pela Zilda Machado.

Seminário VI

Lição XXI – de 20/05/59

Lição XXII – de 27/05/59

Lição XXIII – de 03/06/59

Lição XXIV – de 10/06/59

Lição XXV – de 17/06/59


um abraço,

Graça

terça-feira, 21 de junho de 2011

SEMINÁRIO DO CAMPO LACANIANO EM FORTALEZA - JULHO

DESEJO E FANTASIA


ZILDA MACHADO
AME, EPFCL-Brasil / Fórum de Belo Horizonte

DATA: 02/07/2011
LOCAL: Hotel Diogo


GRUPO DE ESTUDOS PREPARATÓRIO
QUARTAS-FEIRAS, 20h
Sede do FCL-Fortaleza


Informações: Graça Soares (85) 9983-7373






BIBLIOGRAFIA SUGERIDA

FREUD, S. Uma criança é espancada: uma contribuição ao estudo da origem das perversões
sexuais. ESB. Vol. XVII

FREUD, S. Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade. ESB. Vol. IX

LACAN, J. Seminário VI - O desejo e sua interpretação - Lição XVIII (22/04/59)

LACAN, J. O Seminário. Livro 4 - A relação de objeto. Cap. VII: Bate-se numa criança e a
jovem homossexual.

LACAN, J. O seminário Livro 5 - As formações do inconsciente. Cap. XIII: A fantasia para
além do princípio de prazer

LACAN, J. A lógica da fantasia. In: Outros Escritos

LACAN, J. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In:
Escritos.

QUINET, A. Um olhar a mais. Cap. 8: Quadro da fantasia Jorge Zahar Editor (p. 167-173)

VIDAL. E. A construção do fantasma. In: Revista Letra Freudiana. 1, 2, 3, 4 Número,
transferência, fantasma, direção da cura. Ano XII no. 1/4 (1993). (p.98-101)

segunda-feira, 20 de junho de 2011

O Tempo do Final e o Ato Psicanalítico

Texto Preliminar às XIII Jornadas de FCCL-Rio (informações abaixo), de Zilda Machado.
Zilda é AME da EPFCL do Fórum do Campo Lacaniano de Belo Horizonte e será a próxima convidada do Seminário do Campo Lacaniano em Fortaleza. O encontro será no dia 02 de julho de 2011 e o tema é Desejo e Fantasia.


É com Lacan que o conceito de Ato analítico surge como uma noção inerente não só ao procedimento analítico, mas à própria formação do analista. A operação analítica, porém, já estava em curso há mais de meio século. Por que então Lacan pôde dizer no começo de seu resumo sobre o Seminário O Ato Psicanalítico: “O ato psicanalítico, ninguém sabe, ninguém viu além de nós?” [1]
Freud introduziu o ato na psicanálise, e o conceito de repetição que lhe é inerente. Ele mostra que há um tipo de ato que se repete pela via significante e outro que se repete por outra lógica, ou seja, desde os primórdios percebeu as duas lógicas do aparelho psíquico e a partir delas introduziu o ato na psicanálise. Inicialmente, o fez através da Psicopatologia da Vida Cotidiana – com os atos falhos e os lapsos - ou seja, a partir das formações do Inconsciente. Mas ele sabia que algo do aparelho psíquico era de outra ordem, o que o levou à virada dos anos 20. Algo no aparelho está para além da interpretação, para além da linguagem. Ou melhor, algo se apresenta não pelos tropeços de linguagem, mas por uma compulsão a “agir”. Temos o texto princeps “Recordar, repetir e elaborar” que aponta o limite da interpretabilidade, embora desde o início esse limite já estivesse posto. (confere: 1908 “As teorias sexuais infantis”, por ex.).
Mas foi Lacan que introduziu o conceito de ato inserido na própria operação analítica: o ato psicanalítico. É essa a grande novidade que ele traz ao cenário da psicanálise a partir da construção do objeto a, o operador da parte do falasser não articulável em linguagem. Com isso Lacan conseguiu operacionalizar o final de análise e levar o sujeito à transposição do rochedo da castração, o limite detectado por Freud. É nesse sentido que ele fala “o ato analítico, ninguém sabe, ninguém viu além de nós”. A partir daí muda-se radicalmente a idéia do final de análise e da análise didática.
Em que consiste propriamente o ato psicanalítico? Embora muitas vezes nos refiramos a todas as intervenções do analista como “ato analítico”, são duas apresentações do ato psicanalítico as que, nesse momento, me interessam mais de perto e que, me parecem, são de fato o que Lacan denomina ato psicanalítico: o ato que permite a entrada em análise (o primeiro umbral) e aquele que permite a saída, sua conclusão (o segundo umbral). Mas estas duas noções do ato analítico se referem a um único e mesmo ato, nos diz Lacan. O tempo de um se enoda ao tempo do outro e “constitui a repetição (...) que introduz o a posteriori próprio do tempo lógico” no seio da experiência analítica, nos diz Lacan na Proposição de 9 de outubro.
Começar uma psicanálise é um ato? se pergunta Lacan no Seminário 15. Certamente que sim. Mas quem é que produz esse ato? Para aquele que se engaja em uma análise, a regra de ouro da psicanálise é justamente que na cena analítica ele se abstenha de agir e que fale tudo o que lhe vier à cabeça, ou seja, “fale e não faça”. Neste sentido, nos diz Lacan, o ato analítico não está do lado do analisante. A ele cabe a tarefa analisante, através da associação livre. O ato analítico, o que autoriza a tarefa psicanalisante[2], provém do analista. É nesse momento, que Lacan trata a questão de que o que está em jogo é o enodamento que enlaça na análise que se sustenta, a própria análise do analista. Portanto, para tratar da entrada em análise de um analisante qualquer, o que está presente é o ato analítico que instituiu o analista que naquele momento conduz aquela análise.
O verdadeiro ato, portanto, é aquele que teve lugar na análise do analista. Aquele que levou o então analisante ao ultrapassamento do segundo umbral, o que fez dele um analista e que justamente no mesmo golpe, atingiu em cheio o Sujeito suposto Saber, fazendo-o decair de sua função – aí está o des-ser do analista, diz Lacan. Nesse momento preciso houve o ato analítico, proferido (instituído, atuado, praticado? é difícil encontrar uma palavra, pois não há sujeito do ato) por aquele que, justo neste ato, se instituiu analista, o que só ocorreu porque houve a queda do Sujeito suposto Saber. É da ordem de ou um ou outro. Em havendo o ato, instituiu-se ali o psicanalista, e este ato inscreverá no psicanalista uma marca, um “label”, um rótulo, que a partir dali terá a ver com o modo pelo qual ele poderá sustentar as análises que tomar a seu cargo. Uma marca que seus congêneres haverão de saber encontrá-la, nos diz Lacan na Nota aos Italianos[3], e que demonstrará que houve a passagem de analisante a psicanalista. Podemos então entender que a análise sempre ocorre na “presença do analista”. Em havendo o des-ser daquele que conduzia a análise, ocorre a báscula que transforma o analisante em analista. Institui-se ali um psicanalista. Momento de passagem. Momento de passe.

________________

[1] LACAN. O ato psicanalítico. Outros escritos. P. 371.
[2] Lacan. Seminário 15. p. 140
[3] LACAN . Outros escritos. P. 313


XIII JORNADAS DE FORMAÇÕES CLÍNICAS DO CAMPO LACANIANO RIO DE JANEIRO
25 a 27 de novembro de 2011


Local: Hotel Novo Mundo
Praia do Flamengo, 20 - Flamengo

Coordenação:
Elisabeth da Rocha Miranda e Georgina Cerquise

Informações:
Célia da Silva - Rua Goethe, 66 –Botafogo – email: secretaria@fcclrio.org.br
Telefone: (21) 2537-1786 - 2286-9225
Deposito conta bancária: banco Itaú agência 8598 C/c. 06617-6
Informamos que as inscrições realizadas por depósito de conta bancária precisam ser confirmadas por via e-mail

Inscrições até 15/08
Membros e Participantes de FCCL- Rio: R$170,00
Estudantes de graduação: R$110,00
Estudantes de pós graduação: R$130,00
Profissional: R$190,00

sexta-feira, 17 de junho de 2011

STYLUS 21

STYLUS 21 JÁ SE ENCONTRA À VENDA NA SEDE DO FCL-FORTALEZA.
EM BREVE, STYLUS 22.


EDITORIAL - STYLUS 21




Em julho de 2010, a belíssima cidade de Roma sediou o VI Encontro da Internacional dos Fóruns do Campo Lacaniano e da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, presidido pelos colegas Diego Mautino e Mario Binasco. O tema escolhido para esse Encontro não poderia ser mais oportuno: “O mistério do corpo falante”.
Essa frase foi extraída da penúltima aula do Seminário Encore (1972/73), traduzido para o português como Mais, ainda: o real é o mistério do corpo falante, é o mistério do inconsciente (p. 178). Encore (ainda), En corp (no corpo). Nesse Seminário, Lacan ensina que a experiência psicanalítica trata da substância gozante. Essa substância não é nem a res extensa de Descartes, nem tampouco a res anatômica dos mapas dos anatomistas. Trata-se, antes, da substância do corpo, com a condição de que se defina como aquilo de que se goza. Um corpo – afirma Lacan – isso se goza (p. 35).
Mas, atenção! Atenção para a advertência de que o gozo do Outro – do corpo do Outro que o simboliza – não é signo de amor. O âmour (almor), neologismo que une alma e amor é, segundo Lacan numa transação fora-do-sexo. A alma ama a alma, não há sexo na transação. O sexo não conta nesse caso (p. 114). A tentativa da ciência em localizar o gozo da mulher na anatomia é o sonho da fantasia masculina, como aponta Lacan em várias passagens do Seminário Encore, já que não apenas o gozo do Outro não é signo do amor, como também o corpo que o simboliza não pode ser reduzido a um pedaço de carne, que Lacan nomeia de gozo do órgão. É próprio da neurose excluir o Heteros que lhe causa horror.

O seminário Encore transmite, assim, a impossibilidade de escrever a relação do real do corpo com a linguagem: o ser do corpo é sexuado, mas não é desses rastros que depende o gozo do corpo no que ele simboliza o Outro. O corpo, aqui, está longe de ser apenas uma imagem, ou mesmo o cadáver (corps), produzido pela inscrição do traço e a cessão do objeto a – ou seja, o corpo simbólico. O corpo, em sua dimensão real, é propriamente o “lugar do gozo”. Trata-se, portanto, de formalizar uma divisão no próprio campo do gozo. Como Lacan sublinha: A resposta que o gozo do corpo do Outro pode constituir não é necessária (p. 12). O amor, ao contrário, em sua necessária cumplicidade, sempre almeja o Um. Lacan convoca, aqui, a “carta de amor”, a carta de Paulo de Tarso que funda o universalismo cristão, o Todo inscrito na máxima: amai-vos uns aos outros. Mas o Um, argumenta Lacan, “só se aguenta pela essência do significante”. E ele acrescenta: Encore é o nome próprio dessa falha de onde, no Outro, parte a demanda do amor. Ele abre, então, a questão: De onde parte o que é capaz, de maneira não necessária, e não suficiente, de responder pelo gozo do corpo do Outro? Não é do amor, mas do amuro (p. 13). O amuro é o que aparece em signos bizarros no corpo. São esses caracteres sexuais que vêm do além, sob a forma de gérmen. É de lá que vem o encore, o en corp (no corpo). Há rastros no amuro (p. 13).
Se é evidente a referência do amuro à rocha da castração, ou seja, ao real da diferença sexual, Lacan, entretanto, adverte que são apenas rastros. A questão dos corpos sexuados é, portanto, tomada como “fatos de discurso”, ou seja, a sexuação humana é uma consequência lógica do discurso. E dessas consequências, o Psicanalista é convocado a extrair um posicionamento ético.
Nesse número 21 da Revista Stylus – que prossegue no tema iniciado no número 20 “Corpo e inconsciente” – poderemos acompanhar, teórica e clinicamente, algumas provas desse posicionamento.
Na seção “Ensaio”, contamos com os textos de Barbara Guatimosin e Antonio Quinet que articulam, com propriedade, Arte e Psicanálise. O primeiro parte de gravações originais de algumas canções e trabalha “os efeitos de lalíngua em algumas de suas versões, transcriações nas quais se cortam e se enodam significações, produzindo o novo desde efeitos de real no sentido”. O segundo conclui que “homem é um ser-para-a-arte, o teatro é o lugar da poesia encorpada, do significante gozante, da letra que se faz voz, lugar onde o ator demonstra a materialidade fonética da palavra, o gozo de lalíngua, lugar onde pode transformar seu corpo num poema, um corpoema”. Ainda nessa seção, Maria Helena Martinho se serve da obra-prima do escritor japonês Yukio Mishima, intitulada Sol e aço (1968), na intenção de destacar desse ensaio autobiográfico as descobertas feitas pelo autor sobre a relação entre “o corpo e as palavras”. E Raul Pacheco Filho explora “as conexões entre: de um lado, a alienação estrutural e trans-histórica do sujeito e seu ‘encantamento’ com os objetos; e, de outro, a alienação contingente e histórica do sujeito do capitalismo e o fetichismo da mercadoria”.
Na seção “Trabalho crítico com conceitos”, contamos com o trabalho de Diego Mautino, apresentado em Roma – “O ‘corpo falante’ e o ‘mistério de uma outra satisfação’ –, no qual articula ‘mistério do corpo falante’” (mistério – corpo – falante) aos registros RSI, à revisão impressa por Lacan sobre o sintoma (tomando o artifício de Joyce como paradigma) e ao termo satisfação. Sandra Berta – em artigo também apresentado em Roma – aborda “as considerações sobre a passagem do trauma como acidente para o troumatismo, termo cunhado por Lacan para dizer do furo que afeta a estrutura do parlêtre”. E Jairo Gerbase “examina como o sujeito maneja o corpo em função das estruturas clínicas: neurose e psicose, fazendo uma segunda relação entre este manejo e as dimensões do Real, do Simbólico e do Imaginário (RSI)”.
Contamos, ainda, com a contribuição do artigo da Antropóloga Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer – “Corpo: produto e suporte de representações sociais” – produzido a partir de uma conferência proferida no FCL-SP, cuja proposta é indicar algumas das principais conquistas da antropologia e seu atual engajamento em discussões acadêmico-políticas pertinentes às noções de corpo e corporalidade.
Na seção “Direção do tratamento”, o leitor poderá acompanhar um pouco mais da produção da Rede de pesquisa “Sintoma e Corporeidade”, do FCL-SP, por meio do trabalho de uma de suas coordenadoras, Tatiana Carvalho Assadi, cujo objetivo é mostrar, num caso de vitiligo, como a função de uma letra não escutada durante as entrevistas preliminares poder ser a marca da entrada em análise e da leitura como tática clínica num caso de fenômeno psicossomático. Rosane Melo discute, por meio de fragmentos clínicos, a relação entre a incorporação significante, tanto nos sintomas corporais da histeria, quanto nos fenômenos corporais da esquizofrenia. E Gabriel Lombardi, com o rigor que lhe é peculiar, extrai as consequências da oposição entre a conversão como sintoma com o qual o histérico chega a se vincular socialmente, e o sintoma do neurótico obsessivo que, nos dizeres de Freud, é “um assunto particular do enfermo”.
Antes de finalizar, gostaria de lembrar que, com o número 21, a atual Equipe de Publicação de Stylus (2008-2010) se despede, agradecendo a todos os que apoiaram seu trabalho durante esse período e desejando aos futuros integrantes um ótimo trabalho.
Boa leitura!
Ana Laura Prates Pacheco

terça-feira, 14 de junho de 2011

ESTE SÁBADO - SEMINÁRIO DO CAMPO LACANIANO EM FORTALEZA - O DESEJO E SUA INTERPRETAÇÃO

DESEJO, TRANSFERÊNCIA E INTERPRETAÇÃO



ANDRÉA BRUNETTO
AME, EPFCL-Brasil / Fórum do Mato Grosso do Sul

DATA: 18/06/2011
LOCAL: Hotel Diogo

GRUPO DE ESTUDOS PREPARATÓRIO
QUARTAS-FEIRAS, 20h
Sede do FCL-Fortaleza

Informações: Graça Soares (85) 9983-7373






BIBLIOGRAFIA SUGERIDA

- LACAN, J. “A direção do tratamento e os princípios de seu poder” in Escritos
Seminário “O desejo e sua interpretação”, aula de 3 de dezembro de 1958
Seminário “O avesso da psicanálise”, cap. 2

- FREUD, S. Conferências introdutórias:
Conf. XXVI – “A Transferência”
Conf. XXVII - “A Terapia Analítica”

- SOLER, C. “As regras da interpretação” e “Identificação e interpretação”, in Artigos Clínicos.

domingo, 12 de junho de 2011

Lançamento de Stylus 22

Editorial


O sintoma não é um tema novo para a psicanálise. Entretanto,
sua relação com a política não é evidente, o que justificou a pesquisa
sobre o tema “O sintoma: sua política, sua clínica”, organizada pela
Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil durante
o ano de 2010, e a publicação de artigos sobre esse tema nesta
e na próxima edição da Revista Stylus e que me faz, no momento,
introduzir esta questão.
O sintoma está na origem da invenção da psicanálise e, muito
antes dela, com Marx, responsável pela noção de mais-valia, equivalente
para a psicanálise ao termo mais-de-gozar. No seu âmago –
o amor: ele é um problema de amor ou, dizendo de outra forma, da
realidade sexual do inconsciente. Freud sabia disso e jamais deixou
de implicar Eros na tentativa de manter o sujeito no laço social(1). O
sintoma traz essa marca de compromisso e de uma renúncia pulsional.
O Eros freudiano não está longe da função de amarrar, enodar
os três registros – simbólico, real e imaginário – presentes na noção
de sintoma nos seminários tardios de Lacan.
A política, tema antigo também, presente desde a origem das
cidades, tem no seu âmago um sistema de regras. Na tarefa de associação
de pessoas numa comunidade, na procura pelo parceiro
ideal ou na tentativa de corresponder aos ideais da cultura, o falasser
encontra o desencontro, a não-relação, a falta-a-ser. A política possível
para a psicanálise(2) comporta essa dimensão da falta. Por isso,
podemos dizer que o inconsciente é a política(3). Tratar o sintoma por
esta política aponta para a incompletude na direção do tratamento,
e, por mais paradoxal que isso possa parecer, esse é o seu poder.
O problema é quando as armadilhas da contemporaneidade tentam
camuflar essa fragilidade e a impotência com promessas de felicidade.
(4) O discurso do capitalista, trabalhado rigorosamente por Colette
Soler em um dos artigos desta revista, tenta tomar a demanda
pelo desejo. Engano neurótico que faz do sujeito um usuário do
seu produto e não exige a renúncia pulsional, mas, ao contrário,
instiga a pulsão, impondo ao sujeito determinadas relações com a
demanda. Sem se dar conta, sustenta, sobretudo, a pulsão de morte.
Esta tal máquina de gozo instalada por esse discurso na cultura está
longe de ser desejante.

Para essa ausência de saída do discurso capitalista, Lacan propõe o discurso do psicanalista. A clínica psicanalítica, que trata do mistério do corpo falante, é uma prática de falação que pode ter efeitos sobre o corpo e sobre os sintomas nos tempos atuais. Ela tenta restaurar o lugar do desejo, reinstaurar a verdade do sujeito, castração, ou seja, o mal-estar na cultura, mas que “não constituirá num progresso se for somente para alguns”(5). Como fazer com que esta clínica não seja apenas para alguns?
Responder a esta indagação implica uma política orientada por uma ética: a do bem dizer. Esta é a aposta da psicanálise: quanto mais e melhor muitos puderem falar daquilo que lhes causa, da sua falta-a-ser, dos seus sintomas, mais possibilidades de transformações neste modo de gozar do inconsciente e maiores possibilidades de ocupar novas posições no laço social, o que justifica investigar e justificar – ainda neste século – como os sintomas, que implicam diretamente o corpo, são tratados e muitas vezes, modificados por essa clínica da fala.
A presente edição da Revista Stylus e a próxima são o resultado desta indagação. Agrupamos na edição número 22 – advertidos dos limites desta separação – os artigos que tratam prioritariamente do termo política, e na edição 23 o termo sintoma. Essa divisão justificou neste número a publicação de um Thesaurus, tomado aqui por uma licença poética, na sua acepção latina de tesouro. Nele, o leitor encontrará a maioria das referências à política na obra de Lacan. Esperamos que ele possa servir como fonte valiosa para futuras pesquisas dos que estudam a cultura e/ou tratam dessa questão na clínica. Neste número também estão vários outros artigos que merecem ser estudados pelo rigor com que tratam esta questão.
Abre a revista o ensaio de Joan Salinas-Rosés, que articula de forma bastante interessante o que na Idade Média foi a “extração da pedra da loucura”, retratada num quadro de Bosch, ao que ele chama “introdução da pedra da loucura” na contemporaneidade, ou seja, a introdução discursiva no sujeito de significações únicas, imperativas do “direito próprio”, que têm como consequência o “genocídio da subjetividade”, a exacerbação do narcisismo e da Eucracia, como dizia Lacan.
O ensaio seguinte, de autoria de Gabriel Lombardi, trata de um tema bastante importante para a política do sintoma na psicose. Ele define, de forma precisa, as principais características do delírio e do discurso, interrogando as relações mútuas entre eles e sustentando algumas distinções clínicas básicas para a psicanálise. Esse texto, originado de um curso, merece ser estudado, pois ensina sobre a clínica sutil do sintoma na psicose e a forma com que o homem delirante se exila do social e sobre a decisão política e a responsabilidade do homem social ao entrar nos discursos.
Na seção “Trabalho crítico com conceitos”, além do trabalho de Colette Soler, já citado, contamos com o trabalho de Marcelo Checchia, responsável pela pesquisa do conceito de política na obra de Lacan, contemplada na seção Thesaurus. Esse autor nos brinda, de forma lúcida e bem articulada, com um artigo que discute a afirmação de Lacan “O inconsciente é a política”. Trazendo uma articulação entre significante Um, falo e poder, ele fornece algumas chaves para entendermos o estatuto de política na obra de Lacan na sua dimensão simbólica e real.
Ainda nessa seção também contamos com o rigoroso texto do Ronaldo Torres, que pensa a articulação entre sintoma e a política pela Verleugnung, não pela vertente da constituição do sujeito perverso, mas pela relação do sujeito com o semblante. Ele propõe, com a sua leitura dos últimos seminários de Lacan, um resgate da tensão e da contradição que a Verleugnung expressa entre o saber da castração e o “saber se virar” com isso. Defende que essa seja uma forma possível de fazer laço social ao final de uma análise – política do sintoma afeita ao que Lacan denominou discurso do analista. Vale a pena acompanhá-lo nessa instigante elaboração.
A seção “Direção do tratamento” tem por texto de abertura “A política do sintoma na direção da cura”, de Dominique Fingermann. Nele, estão articulados, de forma inteligente e poética, os três tempos da cena psicanalítica orientada por uma política: a de saber lidar com a falta-a-ser e o mal-estar, “estrangeiridades” que assombram as luzes da pólis, mas que os psicanalistas sabem, são inerentes aos sintomas e à civilização.
A psicanálise, afirma a autora, “não é uma operação de guerra contra o discurso capitalista, mas é uma partida acirrada na qual estratégia, tática e política contribuem para devolver ao sintoma seu alcance político, seu ‘efeito revolucionário’”. Essa política depende do seu operador: ato, desejo, discurso, função de analista, o que justifica uma leitura cuidadosa desse artigo por aqueles que ocupam esse lugar e estão nessa função na direção da cura: uma opção ética com consequências políticas.
Verificaremos algumas dessas consequências políticas no artigo de Andréa Fernandes que, na sequência, aborda a mudança nas crenças do sujeito que procura uma análise e os efeitos clínicos disso na psicose e na neurose. Para o psicótico, haveria uma possibilidade de civilizar o gozo, favorecendo algum tipo de laço social, e para o neurótico a visada clínica seria poder deixar de acreditar no sentido do sintoma e de esperar a sua tradução.
A autora afirma com muita propriedade que aquele que procura uma análise o faz por acreditar no sintoma, por atribuir-lhe sentido e por colocar o analista na posição de sujeito suposto saber disso. Entretanto, é sabendo da articulação do sintoma com o real, com o sem-sentido que o analista, colocando em pauta a destituição subjetiva desde o início da análise, recusando-se a aceitar um tom tranquilizador do inconsciente, pode provocar mudanças nas crenças de um sujeito em análise.
Para finalizar essa seção, contamos com o artigo de Lia Silveira, que além de tecer comentários sobre o processo de alfabetização, momento de aquisição da linguagem escrita, traz considerações importantes sobre um sintoma comum na cultura: o “problema de aprendizagem”, e as respostas possíveis que a psicanálise e os psicanalistas podem dar a essa questão.
Ela parte do exame da questão pelo discurso da ciência, do saber do especialista, que trata a questão como um problema de desenvolvimento ou como interferência de algum aspecto “psicossocial”. Prossegue analisando o estatuto do sintoma para a psicanálise, como índice do sujeito e das tensões que revelam entre este e seu desejo inconsciente, e conclui apresentando uma interessante vinheta clínica para articular brilhantemente os conceitos anteriormente apresentados e demonstrar a estratégia analítica na direção da cura.
Na última parte desta revista contamos com a colaboração de Ida Freitas e Alba Abreu, que fizeram respectivamente as resenhas dos livros “Psicanálise, linguística e linguisteria”, de Sonia Borges, que se refere ao produto de uma vasta e rigorosa pesquisa teórica e prática sobre o tema; e o livro “Alteridade feminina”, de Carmen Gallano, decorrente das intervenções feitas na Universidade e no Fórum do Campo Lacaniano de Medellín, no ano de 1998. Ambas teceram comentários elogiosos ao rigor e ao estilo de escrita das autoras, recomendando fortemente a leitura.
Para concluir, deixamos a promessa da publicação no próximo número da conferência de Colette Soler em Fortaleza, sobre “Repetição e sintoma”; os ensaios da Ana Laura Prates Pacheco, Silvia Amoedo e Elisabeth Rocha Miranda; os artigos de Jairo Gerbase, Sidi Askofaré e Silvana Pessoa na seção “Trabalho crítico com conceitos”; e os textos sobre a direção da cura, por Maria Vitória Bittencourt, Conrado Ramos, Lenita Duarte, Heloísa Ramires e Tatiana Assadi. Esperamos que gostem do resultado de nosso primeiro trabalho como Equipe responsável pela publicação da Revista de Psicanálise Stylus (2011-12), que façam bom proveito da leitura desta revista, contemplando cada um destes instigantes artigos, e que possam aguardar com boa expectativa o volume II, ainda por vir no segundo semestre!
Silvana Pessoa

________________________
1 Freud, (1930) Mal-estar na cultura. In : Obras Completas da Standard Edition. Rio de Janeiro: Imago 1974. p. 121.
2 Lacan, (1958) A direção do tratamento e os princípios do seu poder. In : Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
3 Lacan, Le Séminaire: La logique du fantasme (1966-1967, p. 236). In : Thesaurus. Stylus 22. Rio de Janeiro : Associação Fóruns do Campo Lacaniano, 2011.
4 Lacan,. O seminário – livro 7: A Ética da psicanálise (1959-60) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
5 Lacan, (1974) Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993, p. 34.

Stylus 22 estará à venda em breve na sede do FCL-Fortaleza

sexta-feira, 10 de junho de 2011

BOLETINS INFORMATIVOS Nº 0 e 1



BOLETIM INFORMATIVO 27/05/2011 Nº 0
XII Encontro Nacional da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – Brasil
XI Jornada do Campo Psicanalítico ( FCL – SSA)


CONVIDADO INTERNACIONAL – MARC STRAUSS (AME/EPFCL-FRANÇA)


NORMAS PARA ENVIO DE PROPOSTAS DE TRABALHO

Após a inscrição, os interessados em apresentar trabalhos deverão encaminhar o argumento, junto com o comprovante do depósito bancário de acordo com as seguintes instruções:
.Texto em arquivo formato Word versão 2003 ou superior
.Envio do argumento até 31 de Julho
.Endereço para envio: accp@campopsicanalítico.com.br
.Arquivo contendo duas páginas
1) Folha de rosto com o título do trabalho, nome completo do autor, sua instituição, formação e e-mail;
2) Folha do argumento apenas com o título do trabalho e o resumo, contendo a contextualização do tema e objetivo do trabalho, deve limitar-se a 2000 caracteres.
O resultado da seleção dos resumos será divulgado até o dia 19 de setembro e os autores cujos trabalhos tiverem sido selecionados terão até 15 de outubro para enviar o texto completo para accp@campopsicanalítico.com.br
A versão definitiva só será aceita com 6 laudas, em espaço duplo, letra 12.


SUGESTÃO DE TEMAS A SEREM DESENVOLVIDOS

· A interpretação dos sonhos
· Interpretação e transferência
· Interpretação e construção em análise
· A função e os efeitos da interpretação
· A função do silêncio
· Interpretação e equívoco
· Citação, enigma, pontuação, corte e retificação subjetiva
· O dito e o dizer na interpretação
· Dizer modal e dizer apofântico
· A interpretação nos discursos
· A interpretação no discurso do psicanalista: a∕S2
· Interpretação e alingua
· A interpretação e a letra
· A dimensão simbólica e real da interpretação
· Interpretação e poasia
· A Interpretação na clínica com psicótico
· A interpretação na clínica com criança
· A interpretação na psicanálise aplicada


ESPAÇO ESCOLA

Convidados: Marcelo Mazzuca – AE – EPFCL - Argentina e
Silvia Franco – AE – EPFCL – Brasil.


PROPOSTAS DE TRABALHO PARA O ESPAÇO ESCOLA

Esta modalidade é aberta a todos os participantes de CARTÉIS inscritos na Escola, assim como aos membros da EPFCL-Brasil.
O resumo do trabalho deve ter entre 8 a 15 linhas, letra 12, especificando tratar-se de trabalho de cartel ou trabalho sobre questões da Escola.
O envio é até o dia 19 de setembro.
O Espaço Escola estará sob a coordenação da CAI e da CLEAG em articulação com as duas coordenações do Encontro.

INFORMAÇÕES E INSCRIÇÕES

Raquel Passos
e-mail: secretaria.epfclbrasil@yahoo.com.br
http://afcl.campolacaniano.com.br

Vera Santos
e-mail: accp@campopsicanalitico.com.br
http://www.campopsicanalitico.com.br
Tel. e fax (71) 32455681



Boletim Informativo – 04/06/2011 nº 1
XII Encontro Nacional da EPFCL – Brasil


CAROS COLEGAS,

Gostaríamos de informá-los que a Agencia de Turismo Oficial do XII Encontro
Nacional da EPFCL – Brasil que acontecerá em Salvador – Bahia, Terra de Todos os
Santos, é a TOURS BAHIA.
Nosso contato na TOURS BAHIA é Carolina Moura, Coordenadora de Eventos, Tel.:
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quarta-feira, 8 de junho de 2011

Cores de Almodóvar, Cores de Frida Khalo, Cores...(1)

Lia Carneiro Silveira(2)

Inicialmente eu gostaria de agradecer ao Grupo de Estudos em Transtornos Afetivos, na pessoa de seu coordenador o Prof. Dr. Fábio Gomes de Matos e Souza pelo convite para estar neste curso intitulado Transtornos Afetivos ao Longo da Vida. Soube que este espaço é um projeto da Universidade Federal do Ceará, vinculado ao Departamento de Medicina Clínica e composto por estudantes de Medicina, de psicologia, residentes de psiquiatria, além de servidores do Hospital Universitário Walter Cantídio.
Achei importante situar isso porque fiquei realmente curiosa com o convite, pois este supõe que eu possa dizer alguma coisa sobre o tema e, alem disso, alguma coisa que interesse ao público envolvido nesse grupo. Claro que essa terminologia “Transtornos Afetivos” não me é propriamente desconhecida, pois cursei uma graduação em enfermagem e lá nós aprendemos, entre outras coisas, os quadros psiquiátricos. Mas como já faz um longo tempo que não me dedico a essa área, percebi que tinha que voltar nos livros e tentar perceber melhor o que se chama hoje por esse nome “transtornos afetivos”.
Descobri que, segundo o CID 10 os Transtornos do humor ou afetivos são transtornos nos quais a perturbação fundamental é uma alteração do humor ou do afeto, no sentido de uma depressão (com ou sem ansiedade associada) ou de uma elação. Envolvem os Episódio maníaco, Transtorno afetivo bipolar, Episódios depressivos, Transtorno depressivo recorrente, Transtornos de humor [afetivos] persistentes e Outros transtornos do humor [afetivos]
Como isso não me pareceu dizer muita coisa, fui procurar o significado dos termos “Afetividade” e “Humor”. Descobri que a Afetividade é a atividade do psiquismo que constitui a vida emocional do ser humano. O Humor, por sua vez, é a tonalidade afetiva que acompanha os processos psíquicos.
Nesse ponto foi que encontrei um significante que começou a se articular em torno de algumas séries, que me permitiu articular uma fala, e vir aqui dizê-la para vocês hoje. Esse significante foi tonalidade. Achei maravilhosa essa definição de afetividade e humor como relacionada àquilo que dá tonalidade à vida, que colore a vida, dando colorido a cognição, às percepções, aos conceitos, etc. É a Afetividade quem atribui valor e representa nossa realidade. Atribui um colorido às nossas experiências. A Afetividade atribui valor a tudo em nossa vida, tudo aquilo que está fora de nós: como os fatos e acontecimentos presentes ou passados; bem como aquilo que está dentro de nós: nossos medos, nossos conflitos, nossos anseios, etc. A medicina chama de Transtornos afetivos às situações em que esse colorido que damos a realidade está ou mais para preto e branco ou tendendo para cores psicodélicas.
Segundo esse sistema, a explicação para isso estaria em alterações orgânicas (anatômicas - lesões cerebrais, funcionais – alterações do fluxo sanguíneo, metabolismo da glicose) neuroquímicas (alterações nos sistemas serotonérgico e dopaminérgico), etc. Não pretendo entrar nessa discussão sobre a causalidade orgânica desses fenômenos. Embora até hoje os estudos realizados tenham sido inconclusivos, nada impede que um dia encontremos uma base orgânica para os processos psíquicos. Já dizia Freud.
Aliás, sabemos que todo sujeito habita um corpo. Ninguém nunca viu um sujeito andando por ai sem corpo. O que vou falar hoje, no entanto, parte do princípio de que esse corpo que habitamos não é pura e simplesmente carne, orgânico. Ele é habitado, permeado, por algo que chamamos de psíquico, e isso extrapola a dimensão orgânica.
Voltemos ao conceito de afetividade. Dissemos que, para a medicina, ela tem a ver com esse colorido que damos a nossas experiências e que quando essa cor está “alterada, transtornada” temos um transtorno de afetividade. Para podemos falar em transtorno, déficit, alteração, precisamos necessariamente partir de um parâmetros de normalidade. Só assim saberemos se algo está alterado para mais ou para menos. Isso implica em que façamos uma pergunta: qual a cor da realidade?
Ai é que entra a questão que já nos coloca em outro plano: a realidade não tem uma cor em si. Pelo menos para nós falantes. Exatamente por que a cor que vamos dar a realidade depende da nossa faculdade de “representação”. Nós não lidamos com as coisas em si, com o mundo objetivo diretamente. Mas com uma realidade mediada pela possibilidade de representá-la. Foi a isso que Freud chamou de “realidade psíquica”. Nessa perspectiva não são os fatos objetivos que contam, mas o modo como nos apropriamos deles, como os significamos, como os vivemos e como os lembramos. Ou como diria o poeta:
Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!

O que eu vou abordar aqui só faz sentido dentro de um plano conceitual onde essa premissa é tomada como válida. O que não quer dizer que outras pessoas possam recusá-la.
Bom, então a cor da realidade vai depender da forma como representamos essa realidade. Ocorre que, não existe uma única maneira de representar a realidade. Precisamos acompanhar como isso se processa para podermos abordas as diferentes maneiras de fazê-lo:
Em primeiro lugar, podemos dizer que é impossível representar tudo, em toda experiência a ser representada há sempre algo que se perde. Isso por que para representar precisamos usar palavras e é próprio delas não conseguir dizer tudo. Poderíamos dizer isso de outras maneiras. No texto “Mal-estar na civilização” Freud fala da parcela de satisfação que somos obrigados a deixar de fora para nos constituirmos como humanos. Poderíamos usar também os mitos para nos referir a isso: O mito bíblico fala da perda do paraíso apos o homem provar o fruto proibido. No Banquete de Platão temos o mito dos andróginos que perdem uma de suas metades por tentarem alcançar o Olimpo. Ou ainda, a partir do mito que ficou mais famoso na psicanálise, Édipo, que ao descobrir seu destino incestuoso arranca os próprios olhos.
Enfim, a perda está sempre em jogo quando se trata de representar a realidade e a castração é um dos nomes dessa perda. Além disso, vale ressaltar também que essa perda é algo que afeta o sujeito, mas que é algo que se impõe precisamente no campo do Outro. É a castração do outro (da mãe, vai dizer Freud) que vai angustiar o sujeito, pois obriga-o a se deparar com o fato de que o Outro não é completo, logo o Outro deseja. O que esse outro quer de mim? Essa é a pergunta angustiante com que o sujeito se depara.
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?

Ocorre que Freud já mostrava que existem pelo menos duas maneiras diferentes de se lidar com essa perda. Uma delas ocorre quando o Eu, a serviço da realidade, se dispõe à afastar (reprimir ou recalcar) um elemento tido como traumático. Numa conferencia proferida nos Estados Unidos, Freud propõe uma metáfora interessante:
“Imaginem que nesta sala e neste auditório, cujo silêncio e cuja atenção eu não saberia louvar suficientemente, se acha no entanto um indivíduo comportando-se de modo inconveniente, perturbando-nos com risotas, conversas e batidas de pé, desviando-me a atenção de minha incumbência. Declaro não poder continuar assim a exposição; diante disso alguns homens vigorosos dentre os presentes se levantam, e após ligeira luta põem o indivíduo fora da porta. Ele está agora `reprimido’ e posso continuar minha exposição.” (Freud, cinco lições de psicanálise, 1910)
Outra possibilidade diferente de perda desse elemento é aquela que Freud chamou Verwerfung e que Lacan traduziu como Foraclusão. Enquanto que na neurose há uma barreira (uma porta, no exemplo de Freud) que se coloca entre o elemento traumático e a consciência fundando um sujeito dividido (consciente e inconsciente); Na Psicose o elemento traumático retorna invadindo a cena, embora sem possibilidade de se integrado simbolicamente a ela.
Ocorre que esse elemento negado não fica passivamente do lado de fora após ser expulso. Ele impõe sua presença, pois a força que imprime ao tentar se satisfazer não cessa nunca. O que vai se definir então é uma diferença na maneira de lidar com o retorno desse elemento excluído - isto é, na reação contra a repressão e no fracasso da repressão.
Grosso modo podemos dizer que na neurose a tentativa de retorno desse elemento envolve o processo de formação de sintomas: no corpo (na histeria), no pensamento (na neurose obsessiva) ou em elementos do mundo externo (fobia). Na psicose o que vamos ter e aquilo que Lacan chamou de um “inconsciente a céu aberto” com todos os fenômenos de invasão experimentados como alucinações, sensações de fragmentação do corpo, fuga e descarrilhamento de idéias, etc.
Mas não se trata de afirmar, como é frequente ouvirmos, que o neurótico está dentro da realidade, enquanto que na psicose, temos alguém que está fora da realidade. Há nesse processo uma perda da realidade objetiva que vai se colocar tanto para o neurótico quanto para o psicótico(3). Ambos vão tentar, portanto, reconstruir essa realidade. Só que, enquanto o neurótico faz isso pela via da fantasia, o psicótico segue o caminho do delírio.
A fantasia vai se colocar para o neurótico como uma lente por onde ele vai olhar o mundo. Uma tela que ele coloca em frente a sua janela, como diz Quinet, e por onde ele vai passar a olhar a realidade como um quadro que ele mesmo pinta:
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...

Nesse quadro, estão todas as possibilidades de relação entre esse sujeito e o objeto que causa seu desejo. Objeto esse que ele elege para substituir o vazio provocado pela perda anteriormente citada, ao mesmo tempo em que se identifica com ele. Ou seja, diante da pergunta “O que esse Outro quer de mim?” o neurótico responde com uma frase que resume a cena onde ele se oferece como objeto para reparar o furo no Outro, gozando dessa posição. É ali também que ele sustenta seu desejo, ao manter esse objeto a uma distancia manejável.
No delírio psicótico não há encenação, mas submissão. Não há a separação do objeto pelo efeito da castração. Há uma equivalência do sujeito como objeto para o Outro. Não há mediação entre sujeito e objeto e o Outro o invade. O Delírio vai ser uma tentativa de reconstrução, de conter essa invasão do Outro.
Agora podemos pensar como isso acontece naqueles quadros que a medicina chama de Transtornos afetivos. Eu não vou utilizar esse termo, pois como vocês já devem ter percebido, o que desenvolvi até agora não se encaixa em termos de uma doença, nem de um transtorno. Mas de algo pelo qual todos nós passamos ao tentar dar conta do que é ser falante.
Tomarei então o significante “depressão”. Como afirma Quinet, esse significante “atualmente reúne sob si uma multidão de sujeitos que assim qualificam seu estado de alma quando se encontram tristes, desanimados, frustrados, enlutados, anoréxicos, apáticos, entediados, impotentes, angustiados, etc.” Virou moda dizer que se tem um diagnóstico de depressão, ou até mesmo de bipolar.
Mas a psicanálise vai se posicionar frente a essa imprecisão diagnóstica demarcando que o que está em jogo quando se fala em depressão podem ser coisas radicalmente distintas. A primeira coisa que precisamos delimitar é que este termo não pode se aplicar da mesma maneira na neurose e na psicose, pois já vimos que se trata de mecanismos bem diferentes. Enquanto que na neurose a depressão aparece como um sinal clinico, na psicose a melancolia (como chamamos a depressão psicótica) vai ser caracterizada como um quadro clínico específico. Em segundo lugar, podemos destacar que o que vai estar em jogo naquilo que chamamos de depressão está relacionado com essas diversas facetas da relação sujeito/objeto.
Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...

Freud, no texto intitulado Luto e Melancolia afirma que o afeto característico tanto do luto quanto da melancolia é a tristeza.
O luto, ele diz, é de modo geral, uma reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante.
Pode acontecer de, nos casos de um luto extremamente penoso, haver um desânimo profundo, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade. Nisso tudo o luto pode se aproximar dos sintomas da melancolia, ou depressão psicótica.
No entanto, há nesse ultimo quadro uma coisa que não aparece nas reações de luto: uma extrema depreciação de si mesmo que culmina num delírio de ruína e uma expectativa de auto-punicão:
“O paciente representa seu ego para nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível; ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e punido. Degrada-se perante todos, e sente comiseração por seus próprios parentes por estarem ligados a uma pessoa tão desprezível. Não acha que uma mudança se tenha processado nele, mas estende sua autocrítica até o passado, declarando que nunca foi melhor. Esse quadro de um delírio de inferioridade (principalmente moral) é completado pela insônia e pela recusa a se alimentar, e - o que é psicologicamente notável - por uma superação do instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida.” (Freud, Luto e Melancolia, 1917)
Segundo Freud, isso ocorre porque enquanto no luto há uma localização dessa perda em algo do mundo externo, na melancolia o que se torna pobre e vazio é o próprio Eu. A perda experienciada é equivalente a algo no próprio Eu. Ou ainda, há uma correspondência entre o próprio eu e o objeto perdido: a sombra do objeto caiu sobre o eu.
Voltando ao quadro diferencial que traçamos entre neurose e psicose, a depressão no neurótico aponta para um abalo na fantasia que este criou para lidar com a falta no outro. Ele acaba tendo que se deparar com a fragilidade dessa construção de alguma maneira, e um dos efeitos disso pode aparecer clinicamente como desânimo, descrença frente aos ideais, etc. Mas no caso da psicose, a depressão culmina num delírio onde a ideação suicida aparece como possibilidade de dar cabo do núcleo do problema: o próprio Eu. Freud ressalta ainda a impossibilidade de abalar essa crença psicótica, pois não adianta tentar convencer o sujeito de que ele não é esse quadro tão negro que pinta de si mesmo.
Para finalizar, gostaria de exemplificar rapidamente essa discussão partindo de dois exemplos que podem nos ajudar a compreender o que distinguimos como sintomas depressivos no neurótico e o delírio de ruína na psicose. Um deles trata-se de um caso clinico onde a pessoa chega se queixando de depressão.
Marcélia, 39 anos, procura atendimento com uma queixa de depressão e insônia e diz que faz tratamento médico (paroxetina e clonazepam). Afirma que tudo começou em 2005 quando sofreu um “assédio moral” por parte de seu patrão. Trabalhava há quatro anos numa loja de shopping como caixa e começou a apresentar uma dor nos braços que foi diagnosticada como tendinite.
Ao receber o diagnóstico Marcélia procura o patrão, que sugere que ela peça demissão. Como se recusou, este começou a fazê-la passar por situações constrangedoras como sentar numa cadeira isolada e passar o dia inteiro sentada, sem falar com ninguém. Ela resolveu, então que iria processá-lo e, a partir daí, esperar que “a justiça seja feita”.
Marcélia se define como alguém que sempre foi independente e se virou sozinha, se vê agora impossibilitada de trabalhar. Ela passa a peregrinar por médicos, advogados e psicólogos relacionados à área trabalhista. Nessas suas andanças pela área trabalhista adquire muitas informações sobre “seus direitos”. No entanto, sua inquietação e seu sofrimento derivam do fato de que “as pessoas não acreditam que eu estou doente”. O patrão passa a desmenti-la nas audiências; os médicos não encontram uma lesão demonstrável e isso a incomoda: “queria encontrar um exame que mostrasse que o que sinto é real”. Tem medo de que o patrão consiga ganhar a causa e que assim consiga provar que ela não tem uma doença. Essa possibilidade a angustia terrivelmente. Foi por isso que resolveu buscar atendimento em busca de uma “palavra de médico”.
Ela diz: “pois é, eu fiz de tudo pra agradar a ele, me esforcei muito e passei a trabalhar mais ainda, pra ele não ter o que dizer. Era sempre a última a sair. Mas por mais que eu fizesse ele não reconhecia, reclamava do meu trabalho e ainda desconfiava de mim achando que meu caixa não batia. Eu sempre fazia um ‘a mais’ pra que ele reconhecesse”. Esse “a mais” que Marcélia dá ao patrão é a garantia de sustentação da fantasia que lhe permite velar a falta, colocando-se como objeto na relação com o patrão que goza dela.
Nas associações que se desenrolam ao longo da análise, Marcélia faz uma equivalência entre o lugar que o patrão ocupa e o lugar da mãe que, segundo ela, estava sempre comandando, exigindo dela um trabalho sem faltas. Comando esse a que Marcélia sempre atendia. Assim como também fazia de tudo para fazer um “a mais” pelo patrão. Em ambos os casos, era pra que eles não apontassem sua falta, não reclamassem do trabalho mal feito, pois ela nunca “gostou de ser chamada a atenção”.
Em certa sessão Marcélia chega chateada porque uma colega a chamou de autoritária e diz que não é a primeira vez que isso acontece: “eu não sou autoritária, mas minha voz sai assim. Na verdade eu quero é ajudar as pessoas. Como eu aprendi muito sobre os direitos das pessoas eu gosto de orientar, dar conselhos, pra que as pessoas se conscientizem dos seus direitos. Mas elas acham que eu estou sendo autoritária, querendo mandar.”
A fantasia de Marcélia se estrutura portanto em relação a essa voz de comando, esse ser chamada à atenção. Seguindo o circuito pulsional em torno desse objeto voz, ora ela é chamada, comandada. Ora é ela quem chama, comanda. Na transferência ela também me insere nesse circuito quando passa a esperar de mim uma “palavra de médico”.
Percebemos que, no momento de deflagração dos sintomas de Marcélia, algo acontece nessa relação com o patrão que abala sua fantasia. Esse algo passa pela relação que o patrão estabelece com as outras moças que trabalham na casa (leva-as pra sair, toma cerveja com elas) enquanto Marcélia recusa-se a qualquer envolvimento com os homens (aos quarenta anos permanece virgem) e pela recusa do patrão de acreditar nela, desacreditando seu sintoma (LER), desconfiando dela: ele diz que eu estou mentindo. Só aí é que a depressão aparece como sinal ante à possibilidade de ser desmascarada na justiça por esse homem que denuncia sua falta.
Percebemos ainda que, no caso da neurose, não existe um tipo clínico depressivo, mas sujeitos deprimidos, com suas histórias para contar.
O Outro exemplo, não é propriamente um caso, mas é o excerto da carta de despedida que Virgínia Woolf deixa para seu marido Leonard Woolf antes de se suicidar.
xxx
Meu Muito Querido:
Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar por novos tempos difíceis e não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo me concentrar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderá trabalhar. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Se alguém pudesse me salvar, esse alguém seria você. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duas pessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos
V.

xxx
Temos nessa carta de despedida um claro exemplo do que Freud chamou de delírio de ruína do melancólico. Virgínia ao apontar os motivos pelos quais dá cabo de sua vida aponta simplesmente o peso que ela representa na vida do marido, de como ela é um empecilho à vida dele, que ela destrói pelo simples fato de existir.
Aqui percebemos o que Freud quer dizer com “a sombra do objeto recaiu sobre o Eu”, pois a única saída possível que Virgínia encontra em se saber um peso, um fardo, é livrar-se desse peso colocando algumas pedras nos bolsos e se atirando em um rio.

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(1)Texto apresentado no dia 10 de junho de 2011 no Grupo de Estudos em Transtornos Afetivos da Universidade Federal do Ceará
(2)Psicanalista, membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano – EPFCL | Fórum Fortaleza
(3)Freud traz um exemplo interessante. Ele diz: “Permitam-me retornar, a título de exemplo, a um caso analisado há muitos anos atrás, em que a paciente, uma jovem, estava enamorada do cunhado. De pé ao lado do leito de morte da irmã, ela ficou horrorizada de ter o pensamento: ‘Agora ele está livre e pode casar comigo.’ Essa cena foi instantaneamente esquecida e assim o processo de regressão, que conduziu a seus sofrimentos histéricos, foi acionado. Exatamente nesse caso é, ademais, instrutivo aprender ao longo de que via a neurose tentou solucionar o conflito. Ela se afastou do valor da mudança que ocorrera na realidade, reprimindo a exigência instintual que havia surgido - isto é, seu amor pelo cunhado. A reação psicótica teria sido uma rejeição do fato da morte da irmã.”